3. Executivos verdes
Seu chefe ainda será assim: ...Os profissionais distantes dos cuidados socioambientais já estão definitivamente fora do jogo
O executivo alheio ao movimento de sustentabilidade flerta com a irrelevância e o fracasso. Nem sempre foi assim, convém lembrar. Houve ondas diferentes de preocupação dos profissionais com o meio ambiente – a postura mudou no ritmo das descobertas científicas e de pressão da sociedade. Nos anos 1980 e início dos 1990, quando a hoje chamada responsabilidade social ainda era confundida com filantropia e mera maquiagem verde, os líderes das companhias simplesmente defendiam o mecenato, e assim dormiam tranquilos. Na segunda etapa, de meados dos anos 1990 a meados dos anos 2000, houve a explosão da ecoeficiência e da prevenção dos riscos. Dentro dos escritórios e das fábricas, cresceu o movimento de inclusão de funcionários e outras partes interessadas nas políticas de sustentabilidade. Do ponto de vista do marketing, divulgava-se o fim dos excessos. Na França, por exemplo, toda publicidade que incentivasse o uso exagerado de carros foi proibida.
Vive-se hoje, na definição da consultora francesa Élisabeth Laville, do grupo Utopies, a "responsabilidade social empresarial 2.0", da mesma forma que se usa a expressão web 2.0 para definir o momento atual da internet. "É uma revolução apenas iniciada", diz Élisabeth (veja artigo na pág. 288).
Do que se trata? Incorporar, verdadeiramente, à estratégia da empresa e ao seu modelo econômico, uma abordagem orientada aos riscos de danos ecológicos e à imagem corporativa. Além disso, costuram-se oportunidades de mercado atreladas a boas e responsáveis soluções sociais e ambientais. Um caso emblemático é o da British Petroleum, a BP, com sua estratégia Beyond Petroleum (Além do Petróleo), que não deseja mais ser vendedora de óleo, e sim de energia, com a promessa de, em trinta anos, oferecer metade da energia a partir de fontes renováveis.
Outro caso de estudo é o da General Electric (GE), que, com seu programa Ecomagination, assumiu publicamente o compromisso de dobrar o orçamento de pesquisa e desenvolvimento em tecnologias verdes entre 2005 e 2010. O executivo-chefe da GE, Jack Immelt, virou ícone entre as lideranças empresariais verdes com um discurso sincero. "O que nós queremos é ganhar dinheiro", dizia Immelt, no início do processo, em 2004. O tom era dado pelo slogan "Green is green" (verde é verde, em referência à cor que simboliza tanto a sustentabilidade quanto o dólar americano). Hoje, a linha desenvolvida pela GE, a Ecomagination, tem oitenta produtos – em 2005 eram apenas dezessete. Em 2008, as receitas dessa família de negócios foi de 17 bilhões de dólares – menos de 10% do total, mas ainda assim um feito quando se considera que o programa tem apenas cinco anos de vida. Além disso, o faturamento da Ecomagination cresce três vezes mais rápido que o dos outros produtos da GE.
Mas poucos têm o espaço e as oportunidades que Immelt teve – a maioria dos executivos realmente verdes, ressalve-se, não está no topo das empresas. Há muito ainda a fazer, embora já não exista recuo possível. Atenção ao meio ambiente e a tudo o que o cerca é, prioritariamente, sinônimo de boa imagem para as empresas. De acordo com o estudo "A cadeia da sustentabilidade", realizado no início do ano pela consultoria Deloitte com mais de 100 empresas brasileiras de grande porte, 84% apontaram a imagem como a grande favorecida pelo bom comportamento socioambiental. Em segundo lugar, apareceu a conquista de novos mercados (59%) e, em terceiro, a produtividade (58%). "Se fosse apenas uma questão de imagem, ainda assim seria vantajoso investir em negócios sustentáveis", afirma o americano Joe Sellwood, responsável pela operação na América Latina da ONG AccountAbility, que tem sede em Londres, na Inglaterra, e trabalha no fomento de boas práticas de gestão nas empresas e governos. Ao longo desta reportagem, VEJA traça o perfil de três jovens lideranças empresariais coladas ao novo modelo.
Um doce sucesso orgânico
A cena é franciscana: Leontino Balbo Júnior caminha sozinho na plantação de cana-de-açúcar em Sertãozinho, no interior de São Paulo. Fuça a terra, parece falar com os bichos. São saguis, jabutis e quatis, além de tucanos e araras. Nos canaviais da Native vivem 340 espécies animais, 45 delas próximas da extinção. Acionista e diretor da maior produtora de açúcar orgânico do mundo, o loquaz e sorridente Leontino, de 49 anos, preserva a fauna ancorado numa agricultura totalmente avessa a herbicidas, pesticidas e fertilizantes. "A fertilidade vem das folhas que caem da cana, protegendo e alimentando o solo, e da existência controlada de microrganismos, animais e plantas", diz.
Internacionalmente premiado, ele uniu o cuidado social e ambiental ao sucesso econômico. A Native faturará, em 2009, algo em torno de 100 milhões de reais, com uma taxa anual de crescimento de 30%. A colheita é totalmente mecanizada. O resultado das inovações implantadas por Leontino é uma produtividade 25% superior à obtida pelo método de cultivo convencional. Passados doze anos desde que ingressou nessa empreitada verde, a Native tem 95% do mercado brasileiro de açúcar orgânico e exporta para 67 países. É um doce sucesso.
Ótimos resultados
Rentabilidade
A margem de lucro do açúcar orgânico da Native é, em média, de 30%. No mercado de açúcar convencional, as empresas geralmente conseguem 15%
Varejo
No início de 2010, a empresa passará a vender sachês de açúcar em 250 lojas da rede americana Whole Foods Market, especializada em orgânicos
Longa vida para a reciclagem
O paulista Fernando von Zuben, de 51 anos, diretor de Desenvolvimento Ambiental da Tetra Pak, empresa de embalagens, é homem colado a um ritmo de vida contemplativo, apesar da aparente agitação. Gosta de elaborar nós mentais, e invariavelmente chega às clássicas questões primordiais: de onde viemos? Para onde vamos? Fã de carteirinha do filme 2001 - Uma Odisseia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick, diz que o vê com frequência (já perdeu a conta de quantas vezes) porque há nele pistas da relação da humanidade com o planeta. "Desde pequeno aprendi com meus pais, zelosos com a natureza, a não matar animais silvestres, a não cortar árvores, e foi isso que me trouxe até aqui", afirma.
O "aqui" em questão é o escritório da Tetra Pak em São Paulo, onde há catorze anos ele coordena as diretrizes de sustentabilidade da empresa. Sua missão: diminuir o impacto do descarte das caixinhas longa-vida no meio ambiente. Na época, em 1995, apenas o papel das embalagens podia ser reutilizado, mas, como o seu valor representava só 20% do papelão ondulado, não atraía os catadores.
Von Zuben começou a imaginar como separar e reaproveitar os três materiais que compõem as embalagens da Tetra Pak - papel, plástico e alumínio -, aumentando assim o valor do produto reciclado. A caixinha longa-vida passou a ser 100% reciclável - transformada em telha para a construção civil, por exemplo. Foram nove anos de testes no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) até chegar à técnica do plasma. O invento, inédito no mundo, usa energia elétrica para produzir um jato de plasma a 15 000 graus Celsius, mais quente que a superfície do Sol, que aquece a mistura de plástico e alumínio, separando as substâncias do papel. Com o processo, o plástico é transformado em parafina, e o alumínio, em pó. Ocorre então a reutilização desses produtos, fechando o ciclo do material. A nova tecnologia aumentou o valor da tonelada de embalagens longa-vida de 100 reais, há sete anos, para 350 reais, em 2008. Um bom negócio para todos os envolvidos, do catador de papel ao fabricante. Desde a instalação da fábrica do plasma em Piracicaba, no interior de São Paulo, há quatro anos, 2,6 bilhões de caixinhas deixaram de apodrecer nos lixões do Brasil.
No ar
A Tetra Pak se comprometeu a diminuir em 20% a pegada de carbono até 2020. De 2005 a 2008, as emissões de CO2 da empresa já foram reduzidas em cerca de 8,9%
No chão
Em 2005, 28 000 toneladas de embalagens da empresa foram recicladas no Brasil (ou 22,9% do total produzido). Em 2008, esse número subiu para 53 000 toneladas (26,6%)
Grávida de um filho e de ótimas ideias
Daniela De Fiori, paulista grávida do primeiro filho, tem 35 anos e vive de mãos dadas com as iniciativas que defende como vice-presidente de sustentabilidade do Walmart. Ela baniu o uso de sacolas plásticas em sua casa, boicota açougues que vendem carne sem certificado de procedência e adota a carona solidária. Quando vai sozinha ao trabalho - enquanto a barrigona ainda lhe permite dirigir -, acha natural chegar ao escritório a bordo de um carro flex com o porta-malas transbordando de lixo orgânico, pois o prédio onde mora só recicla papelão. A solução é levar os detritos para o posto de reciclagem do trabalho.
O Walmart é o líder varejista no mundo e a terceira maior rede de supermercados no Brasil. Tornou-se, hoje, símbolo de responsabilidade ambiental. Das 404 lojas que a empresa tem espalhadas pelo Brasil, 140 praticamente não mandam mais lixo orgânico para aterros sanitários - em vez disso, ele é enviado para usinas de compostagem, onde vira adubo. A partir de 2010, a rede construirá apenas hipermercados 100% ecoeficientes - hoje são quatro. Isso quer dizer que as lojas serão erguidas segundo preceitos verdes, com teto rebaixado para economizar ar condicionado e paredes de vidro que permitam a entrada de luz natural.
O grande desafio é convencer os consumidores de que produtos com selo verde não são mais caros do que os tradicionais. "Foi preciso muita criatividade, mas hoje temos nas prateleiras mais de 2 000 produtos sustentáveis", diz. No topo da lista dos mais vendidos está o cobertor feito com fibras de garrafa PET (na foto).
Globalmente, o Walmart destacou-se ao ser o primeiro dos grandes varejistas a participar do movimento de boicote aos fornecedores que desrespeitam o meio ambiente, seja criando gado ou plantando soja em áreas ilegais da Amazônia, seja usando trabalho escravo. Desse movimento, iniciado em junho no Brasil, surgiu o pacto de sustentabilidade, que já conta com mais de 300 membros e impõe aos fornecedores duros compromissos. Os fabricantes de detergente, por exemplo, terão até 2011 para diminuir em 70% a quantidade de fosfato na fórmula do produto. A substância é a maior responsável pela proliferação de algas nos rios, que consomem o oxigênio e matam os peixes.
Depois do caixa
Plástico, não
O Walmart brasileiro tem como meta reduzir o uso de sacolas plásticas em 50% até 2013. Em 2009, já reduziu 10%, o que significa 50 milhões de sacolas a menos no meio ambiente
Lixo recuperado
A empresa investe nas estações de reciclagem. Eram 236 em 2008. Neste ano, o número subiu para 340
(segue)
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