quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Perspectiva 2010 O ano zero da economia limpa (continuação) Executivos verdes


(Continuação da matéria da revista Veja de dezembro de 2009, que estou postando em partes)
 
3. Executivos verdes

Seu chefe ainda será assim:   ...Os profissionais distantes dos cuidados socioambientais já estão definitivamente fora do jogo

O executivo alheio ao movimento de sustentabilidade flerta com a irrelevância e o fracasso. Nem sempre foi assim, convém lembrar. Houve ondas diferentes de preocupação dos profissionais com o meio ambiente – a postura mudou no ritmo das descobertas científicas e de pressão da sociedade. Nos anos 1980 e início dos 1990, quando a hoje chamada responsabilidade social ainda era confundida com filantropia e mera maquiagem verde, os líderes das companhias simplesmente defendiam o mecenato, e assim dormiam tranquilos. Na segunda etapa, de meados dos anos 1990 a meados dos anos 2000, houve a explosão da ecoeficiência e da prevenção dos riscos. Dentro dos escritórios e das fábricas, cresceu o movimento de inclusão de funcionários e outras partes interessadas nas políticas de sustentabilidade. Do ponto de vista do marketing, divulgava-se o fim dos excessos. Na França, por exemplo, toda publicidade que incentivasse o uso exagerado de carros foi proibida.

Vive-se hoje, na definição da consultora francesa Élisabeth Laville, do grupo Utopies, a "responsabilidade social empresarial 2.0", da mesma forma que se usa a expressão web 2.0 para definir o momento atual da internet. "É uma revolução apenas iniciada", diz Élisabeth (veja artigo na pág. 288).

Do que se trata? Incorporar, verdadeiramente, à estratégia da empresa e ao seu modelo econômico, uma abordagem orientada aos riscos de danos ecológicos e à imagem corporativa. Além disso, costuram-se oportunidades de mercado atreladas a boas e responsáveis soluções sociais e ambientais. Um caso emblemático é o da British Petroleum, a BP, com sua estratégia Beyond Petroleum (Além do Petróleo), que não deseja mais ser vendedora de óleo, e sim de energia, com a promessa de, em trinta anos, oferecer metade da energia a partir de fontes renováveis.

Outro caso de estudo é o da General Electric (GE), que, com seu programa Ecomagination, assumiu publicamente o compromisso de dobrar o orçamento de pesquisa e desenvolvimento em tecnologias verdes entre 2005 e 2010. O executivo-chefe da GE, Jack Immelt, virou ícone entre as lideranças empresariais verdes com um discurso sincero. "O que nós queremos é ganhar dinheiro", dizia Immelt, no início do processo, em 2004. O tom era dado pelo slogan "Green is green" (verde é verde, em referência à cor que simboliza tanto a sustentabilidade quanto o dólar americano). Hoje, a linha desenvolvida pela GE, a Ecomagination, tem oitenta produtos – em 2005 eram apenas dezessete. Em 2008, as receitas dessa família de negócios foi de 17 bilhões de dólares – menos de 10% do total, mas ainda assim um feito quando se considera que o programa tem apenas cinco anos de vida. Além disso, o faturamento da Ecomagination cresce três vezes mais rápido que o dos outros produtos da GE.

Mas poucos têm o espaço e as oportunidades que Immelt teve – a maioria dos executivos realmente verdes, ressalve-se, não está no topo das empresas. Há muito ainda a fazer, embora já não exista recuo possível. Atenção ao meio ambiente e a tudo o que o cerca é, prioritariamente, sinônimo de boa imagem para as empresas. De acordo com o estudo "A cadeia da sustentabilidade", realizado no início do ano pela consultoria Deloitte com mais de 100 empresas brasileiras de grande porte, 84% apontaram a imagem como a grande favorecida pelo bom comportamento socioambiental. Em segundo lugar, apareceu a conquista de novos mercados (59%) e, em terceiro, a produtividade (58%). "Se fosse apenas uma questão de imagem, ainda assim seria vantajoso investir em negócios sustentáveis", afirma o americano Joe Sellwood, responsável pela operação na América Latina da ONG AccountAbility, que tem sede em Londres, na Inglaterra, e trabalha no fomento de boas práticas de gestão nas empresas e governos. Ao longo desta reportagem, VEJA traça o perfil de três jovens lideranças empresariais coladas ao novo modelo.

Um doce sucesso orgânico

A cena é franciscana: Leontino Balbo Júnior caminha sozinho na plantação de cana-de-açúcar em Sertãozinho, no interior de São Paulo. Fuça a terra, parece falar com os bichos. São saguis, jabutis e quatis, além de tucanos e araras. Nos canaviais da Native vivem 340 espécies animais, 45 delas próximas da extinção. Acionista e diretor da maior produtora de açúcar orgânico do mundo, o loquaz e sorridente Leontino, de 49 anos, preserva a fauna ancorado numa agricultura totalmente avessa a herbicidas, pesticidas e fertilizantes. "A fertilidade vem das folhas que caem da cana, protegendo e alimentando o solo, e da existência controlada de microrganismos, animais e plantas", diz.

Internacionalmente premiado, ele uniu o cuidado social e ambiental ao sucesso econômico. A Native faturará, em 2009, algo em torno de 100 milhões de reais, com uma taxa anual de crescimento de 30%. A colheita é totalmente mecanizada. O resultado das inovações implantadas por Leontino é uma produtividade 25% superior à obtida pelo método de cultivo convencional. Passados doze anos desde que ingressou nessa empreitada verde, a Native tem 95% do mercado brasileiro de açúcar orgânico e exporta para 67 países. É um doce sucesso.
Ótimos resultados

Rentabilidade
A margem de lucro do açúcar orgânico da Native é, em média, de 30%. No mercado de açúcar convencional, as empresas geralmente conseguem 15%

Varejo
No início de 2010, a empresa passará a vender sachês de açúcar em 250 lojas da rede americana Whole Foods Market, especializada em orgânicos
  
Longa vida para a reciclagem

O paulista Fernando von Zuben, de 51 anos, diretor de Desenvolvimento Ambiental da Tetra Pak, empresa de embalagens, é homem colado a um ritmo de vida contemplativo, apesar da aparente agitação. Gosta de elaborar nós mentais, e invariavelmente chega às clássicas questões primordiais: de onde viemos? Para onde vamos? Fã de carteirinha do filme 2001 - Uma Odisseia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick, diz que o vê com frequência (já perdeu a conta de quantas vezes) porque há nele pistas da relação da humanidade com o planeta. "Desde pequeno aprendi com meus pais, zelosos com a natureza, a não matar animais silvestres, a não cortar árvores, e foi isso que me trouxe até aqui", afirma.

O "aqui" em questão é o escritório da Tetra Pak em São Paulo, onde há catorze anos ele coordena as diretrizes de sustentabilidade da empresa. Sua missão: diminuir o impacto do descarte das caixinhas longa-vida no meio ambiente. Na época, em 1995, apenas o papel das embalagens podia ser reutilizado, mas, como o seu valor representava só 20% do papelão ondulado, não atraía os catadores.

Von Zuben começou a imaginar como separar e reaproveitar os três materiais que compõem as embalagens da Tetra Pak - papel, plástico e alumínio -, aumentando assim o valor do produto reciclado. A caixinha longa-vida passou a ser 100% reciclável - transformada em telha para a construção civil, por exemplo. Foram nove anos de testes no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) até chegar à técnica do plasma. O invento, inédito no mundo, usa energia elétrica para produzir um jato de plasma a 15 000 graus Celsius, mais quente que a superfície do Sol, que aquece a mistura de plástico e alumínio, separando as substâncias do papel. Com o processo, o plástico é transformado em parafina, e o alumínio, em pó. Ocorre então a reutilização desses produtos, fechando o ciclo do material. A nova tecnologia aumentou o valor da tonelada de embalagens longa-vida de 100 reais, há sete anos, para 350 reais, em 2008. Um bom negócio para todos os envolvidos, do catador de papel ao fabricante. Desde a instalação da fábrica do plasma em Piracicaba, no interior de São Paulo, há quatro anos, 2,6 bilhões de caixinhas deixaram de apodrecer nos lixões do Brasil.

No ar
A Tetra Pak se comprometeu a diminuir em 20% a pegada de carbono até 2020. De 2005 a 2008, as emissões de CO2 da empresa já foram reduzidas em cerca de 8,9%

No chão
Em 2005, 28 000 toneladas de embalagens da empresa foram recicladas no Brasil (ou 22,9% do total produzido). Em 2008, esse número subiu para 53 000 toneladas (26,6%)
  
Grávida de um filho e de ótimas ideias

Daniela De Fiori, paulista grávida do primeiro filho, tem 35 anos e vive de mãos dadas com as iniciativas que defende como vice-presidente de sustentabilidade do Walmart. Ela baniu o uso de sacolas plásticas em sua casa, boicota açougues que vendem carne sem certificado de procedência e adota a carona solidária. Quando vai sozinha ao trabalho - enquanto a barrigona ainda lhe permite dirigir -, acha natural chegar ao escritório a bordo de um carro flex com o porta-malas transbordando de lixo orgânico, pois o prédio onde mora só recicla papelão. A solução é levar os detritos para o posto de reciclagem do trabalho.

O Walmart é o líder varejista no mundo e a terceira maior rede de supermercados no Brasil. Tornou-se, hoje, símbolo de responsabilidade ambiental. Das 404 lojas que a empresa tem espalhadas pelo Brasil, 140 praticamente não mandam mais lixo orgânico para aterros sanitários - em vez disso, ele é enviado para usinas de compostagem, onde vira adubo. A partir de 2010, a rede construirá apenas hipermercados 100% ecoeficientes - hoje são quatro. Isso quer dizer que as lojas serão erguidas segundo preceitos verdes, com teto rebaixado para economizar ar condicionado e paredes de vidro que permitam a entrada de luz natural.

O grande desafio é convencer os consumidores de que produtos com selo verde não são mais caros do que os tradicionais. "Foi preciso muita criatividade, mas hoje temos nas prateleiras mais de 2 000 produtos sustentáveis", diz. No topo da lista dos mais vendidos está o cobertor feito com fibras de garrafa PET (na foto).

Globalmente, o Walmart destacou-se ao ser o primeiro dos grandes varejistas a participar do movimento de boicote aos fornecedores que desrespeitam o meio ambiente, seja criando gado ou plantando soja em áreas ilegais da Amazônia, seja usando trabalho escravo. Desse movimento, iniciado em junho no Brasil, surgiu o pacto de sustentabilidade, que já conta com mais de 300 membros e impõe aos fornecedores duros compromissos. Os fabricantes de detergente, por exemplo, terão até 2011 para diminuir em 70% a quantidade de fosfato na fórmula do produto. A substância é a maior responsável pela proliferação de algas nos rios, que consomem o oxigênio e matam os peixes.

Depois do caixa

Plástico, não
O Walmart brasileiro tem como meta reduzir o uso de sacolas plásticas em 50% até 2013. Em 2009, já reduziu 10%, o que significa 50 milhões de sacolas a menos no meio ambiente

Lixo recuperado
A empresa investe nas estações de reciclagem. Eram 236 em 2008. Neste ano, o número subiu para 340

(segue)
 

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