sábado, 29 de janeiro de 2011

A importância das áreas de preservação permanente para a biodiversidade

Com o crescimento da população humana, muitas florestas perdem espaço para a agricultura. Consequentemente, a biodiversidade vegetal e animal diminui acentuadamente. A taxa de extinção das espécies, que era de 0,2% há pouco mais de 100 anos, hoje é de 23%, ou seja, aumentou mais de cem vezes. Isso pode trazer conseqüências catastróficas para a humanidade.



A água é essencial à sobrevivência de todos os seres vivos e sua produção e manutenção está diretamente relacionada à floresta. Precisamos entender melhor o papel das florestas e preservá-las porque nossa sobrevivência e de todos os outros seres vivos depende disso.

Existem evidências que as bacias hidrográficas da Região Nordeste (Bacia Hidrográfica do Nordeste, do São Francisco e Leste), onde há menor cobertura vegetal (Caatinga e Cerrado), são mais sazonais (variam mais entre as épocas de secas e das chuvas) que bacias melhor protegidas por florestas como a bacia Amazônica, em função da maior evapotranspiração e da recarga na bacia hidrográfica.

As florestas protegem o solo da exposição direta ao sol, evitando desta forma seu ressecamento, além de abastecerem os mananciais de água de forma mais lenta e regular, estabilizando o microclima.

As matas ciliares são formações vegetais que acompanham os cursos d’água, lagos ou represas, cumprindo importantes funções na manutenção do regime hídrico da microbacia hidrográfica, no sustento da fauna e na estabilidade dos microambientes. Outra função importante é o sombreamento dos rios, que permite a entrada de matéria orgânica e sementes utilizadas na alimentação dos peixes. A presença de mata ciliar impede ou dificulta o carregamento de sedimentos, além de bloquear a poluição química causada por agrotóxicos, que aumentam a infecção por ectoparasitos nos peixes e provocam mutações principalmente em anfíbios.

Em usinas hidroelétricas, isso pode fazer uma enorme diferença, porque os sedimentos são abrasivos e podem encurtar substancialmente a vida útil das turbinas. Além disso, o custo específico com produtos químicos nas estações de tratamento de água eleva-se com a redução do percentual de cobertura florestal da bacia de abastecimento. Desta forma, o tratamento de água em uma bacia bem protegida pela mata cilar custa aproximadamente de R$ 2,00 a R$ 5,00/1000 por m3 de água tratada, enquanto que em uma bacia desprotegida o tratamento pode custar de R$ 300,00 a R$ 500,00/1000 por m3. Nos EUA, o estado de Nova Iorque
investiu em APP e para cada dólar investido,  economizaram sete dólares no tratamento de água.

O entendimento da relação das florestas implantadas e a água é uma questão muito complexa e deve-se levar em consideração as múltiplas atividades antrópicas, tendo como unidade a microbacia. Deste modo, a floresta deve ser apreciada como uma atividade agrícola qualquer, que visa a produção de biomassa com intenção de obter algum lucro.

Além do consumo de água, devemos contabilizar a sua qualidade, o regime de vazão e a saúde do ecossistema aquático, incluindo uma visão mais abrangente sobre a relação do uso da terra, seja na produção florestal, agrícola, pecuária, abertura de estradas, urbanização, enfim, toda e qualquer alteração antrópica na paisagem e na conservação dos recursos hídricos.

Quem sabe assim, a sociedade acabará percebendo que uma possível diminuição na quantidade de água,  degradação hidrológica qualquer causando sua deterioração, não está somente nas florestas implantadas mas em uma infinidade de outras atividades antrópicas.

A legislação atual preconiza que a mata cilar seja feita com base e a partir da cota máxima do rio, enquanto que a nova proposta é pela cota mínima. Isso é muito preocupante, já que os córregos, que perfazem aproximadamente 90% dos rios brasileiros, desaparecerão em função da retirada da mata ciliar. O Brasil possui 17% da biodiversidade mundial de anfíbios, que vivem preferencialmente nestes córregos de dimensões menores. Isso causará a extinção de várias espécies de anfíbios e na maioria dos peixes (pexies pequeño e médios principalmente, que passam toda sua vida nesta zona do rio) além dos répteis - menos o jacaré, a jibóia e a sucuri, já que os demais também preferem riachos.

Os peixes pequenos, de até 15cm e médios - de 16 a 30cm são reofílicos, isto é, necessitam do ambiente lótico para completarem o seu ciclo de vida e ocorrem em abundância nos trechos de rios com fundo de rochas, tanto nas calhas como nas porções mais elevadas dos afluentes. Destacam-se os cascudos, timburés e cambevas. O peixes grandes - maiores que 30cm, embora ocupem as zonas lacustres (rios ou represas de maior profundidade e normalmente com leito arenoso), se reproduzem nos riachos menores. A prática da nova legislação afetará todas as espécies de peixes também.

O Brasil é o país de maior biodiversidade do Planeta. Foi o primeiro signatário da Convenção sobre a Diversidade Biológica e a agenda 21, que preconiza desenvolvimento sustentável, isto é, preservação da natureza ou exploração racional. É considerado megabiodiverso – país que reúne ao menos 70% das espécies vegetais e animais do Planeta. Possui a flora mais rica do mundo, com até 56.000 espécies de plantas superiores, já descritas, acima de 3.000 espécies de peixes de água doce, 517 espécies de anfíbios, 1.677 espécies de aves, 518 espécies de mamíferos e pode ter até 10 milhões de insetos.

Somente no campo medicinal, há na Floresta Amazônica 1.300 diferentes vegetais com reconhecido valor terapêutico. Nas florestas tropicais asiáticas, onde as civilizações atingiram maior desenvolvimento, este número é pelo menos dez vezes maior, embora a floresta deles seja menor que a nossa. Atualmente, 25% dos remédios que o homem utiliza nos países desenvolvidos possuem elementos retirados das florestas tropicais, porcentagem em progressivo crescimento.

Pesquisas recentes demonstram que problemas de saúde podem ser solucionados com auxílio de componentes retirados das matas tropicais. Encontram-se catalogados pelo menos 1.400 vegetais com substâncias anticancerígenas. Uma pequena planta das florestas de Madagascar, ameaçada de extinção, aumentou as chances de sobrevivência de crianças com leucemia de 10% (1960) para 90% (1980).

Estima-se que 75% das drogas derivadas de plantas em utilização no mundo, movimentando um mercado de aproximadamente US$ 43 bilhões, foram descobertas a partir da indicação de populações tradicionais.

Recentemente o Instituto Butantã descobriu um único composto retirado da jararaca (Bothrops sp.) que é usado na fabricação do Captopril - anti-hipertensivo que gera aproximadamente cinco bilhões de dólares anuais para a indústria farmacêutica.

Isso mostra que a floresta e sua biodiversidade tem enorme valor econômico, precisamos apenas saber explorá-la. Não podemos perder esse patrimônio por ignorância. Preservar, estudar, conhecer e explorar, social, econômica e ecologicamente é a melhor alternativa. Somos o país da megabiodiversidade, o mundo inteiro nos explora (biopirataria) e nós queremos destruir nosso patrimônio.

*Laerte Scanavaca Júnior é engenheiro florestal, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente

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