sábado, 31 de março de 2012

"Os vegetais avisam" por Geraldo Hasse

" O prezado leitor está prestando atenção? Este ano as paineiras floriram bem mais cedo. Algumas, na segunda quinzena de fevereiro, o que configura um recorde espantoso para essa árvore acostumada a soltar suas flores em abril.

 “Também, com o calor desumano do último verão!”, dizem as pessoas, tentando explicar o fenômeno, mas sem conseguir aprofundá-lo.
 O tema é assaz complexo, está mais do que na hora de dar um passo à frente na análise da situação. Pois, sem dúvida, a elevação da temperatura ambiental acelera o metabolismo das plantas, fazendo com que cada ciclo vegetal seja antecipado.

Seguindo nesse ritmo, breve as paineiras estarão florindo em janeiro, os jasmineiros mudarão sua florada de novembro para agosto e assim por diante, até que se consume a inversão total das coisas.
 Chegará talvez o dia em que as frutas de verão estarão amadurecendo no inverno – com que qualidade não é possível antecipar, mas elas certamente serão chamadas de frutas da desestação. Ou antifrutas.

 Algumas dessas frutas anômalas já estão aí: bananas empedradas, laranjas com a metade do seu corpo tomado por células sem suco, como se os cítricos quisessem virar romãs; morangos com sabor de plástico; tangerinas sem sementes, o que certamente leva as árvores a se perguntar o que estão fazendo nesse mundo se sua missão natural, perpetuar a espécie, foi bloqueada para agradar os consumidores. 

 Essa deturpação da natureza das coisas é um grave sintoma da alienação que permeia o comportamento humano. Hormônios para crescer mais rápido, hormônios para evitar a concepção, hormônios para retardar a velhice: se a vida moderna rola sob o signo da manipulação dos códigos e dos ritmos, como nos defenderemos dos cânceres, infartos e tromboses que se sucedem aos processos de aceleração e de castração?

Já nos acostumamos com o fato de que as sementes híbridas valem apenas por uma vez e não servem para a propagação genética. Estamos nos familiarizando com o patenteamento das sementes transgênicas, mas os vegetais já estão avisando que desse jeito as coisas tendem a desandar irremediavelmente.
 
Se a temperatura média do globo terrestre subir de 2 a 4 graus até o ano 2100, como foi previsto pelo painel de mudanças climáticas da ONU, é provável que o mundo em que vivemos não fique de pé. Sobreviveremos?

 Sim, mas com baixas imensas provocadas pelas consequências do aquecimento global. Tsunamis, ciclones, nevascas, avalanches, enchentes, incêndios, cataclismas, aneurismas, hecatombes, apocalipses, o pagode tomando o lugar do samba, mulheres batendo o martelo na mesa, homens na frente dos espelhos ou recuando às cavernas, as vacas não reconhecendo os bezerros, as onças fugindo dos macacos e assim ao revés.

 Só não vê quem não quer: boa parte dos distúrbios da natureza é fruto dos exageros cometidos pelos humanos, a saber: empresários que não sabem a hora de parar, militares que exigem armamentos cada vez mais poderosos e políticos que perderam a noção de suas obrigações com as comunidades que os elegem. 

A presente crise econômica européia mostra que se esgotou o modelo de expansão ilimitada da produção material. Os dirigentes políticos e os líderes empresariais, unidos,  continuam pregando o crescimento econômico como sinônimo de progresso, mesmo estando claro que falta sustentabilidade ambiental para tamanho ritmo. Ainda não se aceita a ideia de que é possível elevar o bem-estar sem crescimento econômico.

Como disse o sociólogo francês Jean Baudrillard (1929-2007), já não estamos no crescimento, mas na excrescência. Estamos numa sociedade da proliferação, cujos efeitos se multiplicam com o desaparecimento das causas.

Essa desestruturação é uma loucura, lembra uma máquina que disparou e opera sozinha, sem controle. Um horror explícito no comportamento dos vegetais, uns acelerados pelas mudanças climáticas, outros turbinados pelo afã do lucro. É uma corrida que não vai acabar bem. "

Fonte:  Blog de Geraldo Hasse  (homenagem ao ótimo texto do autor mencionado)
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