sábado, 11 de setembro de 2010

Perspectiva 2010 O ano zero da economia limpa (continuação) Energias renováveis

(Continuação da matéria da revista Veja de dezembro de 2009, que estou postando em partes)


4. Energias renováveis

O vento tem a resposta.    As usinas eólicas são as que mais crescem no mundo - mas falta ainda torná-las baratas. No Brasil, o potencial é de dez Itaipus

"O pré-sal dos ventos." Foi assim que o brasileiro Bento Koike, 51 anos, proprietário da Tecsis, o segundo maior fabricante mundial de pás para aerogeradores eólicos, com sede em Sorocaba, no interior de São Paulo, definiu o primeiro leilão brasileiro de energia eólica, realizado pelo Ministério de Minas e Energia em meados de dezembro. Foram contratados pelo governo 753 projetos de energia movida a vento, num total de 1 800 megawatts, mais de cinco vezes o volume gerado atualmente no país. Hoje, uma nação pequena como Portugal produz mais força eólica que o Brasil. "A energia dos ventos tem ainda uma vantagem sobre o pré-sal do petróleo: ela está na superfície, não a 5 000 metros de profundidade, é renovável e não acaba nunca", disse Koike a VEJA, ele mesmo finalizando o projeto de uma segunda fábrica para atender à demanda que nascerá depois do leilão.

Por serem uma fonte de energia limpa e inesgotável, as usinas eólicas constituem a modalidade de energia renovável que mais cresce no mundo. A média anual de expansão é de 25%, embora apenas 0,3% do planeta seja movido a vento. No Brasil, ele representa 1,3% da matriz energética. "Mas nosso potencial de ventos é de dez Itaipus", afirma Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), autarquia ligada ao Ministério de Minas e Energia.

SOL ETERNO

No vácuo desse movimento, gigantes como a americana GE chegam ao país. Em janeiro, a empresa começa a fabricar geradores eólicos para atender à novíssima demanda - ainda uma promessa, ressalve-se. "Temos 30 000 pás instaladas no mundo e nenhuma no Brasil, é frustrante", afirma Koike, que acabou de obter um empréstimo de 120 milhões de reais do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para ampliar sua capacidade de produção.

O otimismo sopra porque a estimativa da futura capacidade eólica brasileira - essa que pode multiplicar por dez a produção de Itaipu - foi calculada com medições de ventos a 50 metros de altura. Era esse o tamanho das torres com turbinas em 2001, ano em que foi realizado o primeiro Atlas do Potencial Eólico Brasileiro. Hoje, com as turbinas instaladas a 100 metros ou mais do solo, uma edição atualizada do atlas já está sendo feita. Consideradas as prévias de alguns estados - o Rio Grande do Sul, por exemplo, pulou de 9 MW para 100 GW -, a capacidade eólica do Brasil pode mesmo confirmar a previsão de Koike de que estamos vivendo o "pré-sal dos ventos".

GIGANTISMO
A 100 metros de altura, nas torres modernas, o vento é mais forte do que nas versões antigas, de 50 metros

O problema ainda é o preço, alto em decorrência dos gastos com instalação, embora o custo operacional seja barato. O valor mais baixo do MWh de vento é de 160 reais, contra 110 reais das usinas hidrelétricas. Ele só não sai mais caro que o do sol (mínimo de 600 reais o MWh). O Brasil entrou no jogo com vinte anos de atraso em relação a outros países, lembra Lauro Fiuza Jr., presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica. Mas há particularidades que podem acelerar o crescimento.

A principal delas é a complementaridade do regime de ventos com o de chuvas, especialmente no Nordeste, onde estão localizadas as maiores jazidas de ventos do país. "As eólicas são o par perfeito para as hidrelétricas porque os ventos são mais fortes justamente no momento em que a hidrologia está mais fraca", diz o engenheiro eletricista e consultor Mário Veiga, autor da metodologia usada para controlar a operação do sistema nacional interligado. "Ou seja, no primeiro semestre, quando os rios estão com vazão plena, os ventos são mais fracos. No segundo semestre, quando surgem até ilhas no Rio Amazonas devido à baixa vazão, os ventos são mais fortes." Esse casamento é ainda mais estratégico porque as grandes hidrelétricas que estão sendo construídas com a tecnologia do fio de água - Belo Monte, Santo Antônio e Jirau - não têm grandes reservatórios, como Itaipu, Tucuruí e Sobradinho, e isso as deixa mais vulneráveis às oscilações da natureza.

As usinas eólicas demoram apenas um ano e meio para ficar prontas, contra três anos das termelétricas e cinco das hidrelétricas. Além disso, em território brasileiro a regularidade dos ventos está entre as melhores do mundo. Some-se outra facilidade: as principais jazidas eólicas localizam-se nos arredores dos grandes centros urbanos. "No exterior, as duas grandes dores de cabeça são o alto custo de transmissão e a oscilação dos ventos, que obriga os países a ter usinas termelétricas de backup para os períodos sem vento", explica Mário Veiga. Estudo feito por ele mostra que a substituição total da energia térmica pela eólica diminui a emissão de gases que provocam o efeito estufa em 10 milhões de toneladas por ano (atualmente o Brasil emite pouco mais de 330 milhões por ano). Não é muita coisa, mas abre-se um caminho.

Nem tudo, porém, gira a favor do vento. Dois promotores de Justiça do Ceará entraram com ações contra duas empresas responsáveis pela construção de parques eólicos. Ambos denunciam a degradação ambiental provocada pelas usinas eólicas nas dunas, além da interferência em aquíferos (formação geológica que armazena água subterrânea), destruição do patrimônio arqueológico, conflitos com pescadores, fixação de dunas móveis e aterramento de lagoas, entre outras irregularidades. As empresas e os órgãos públicos se defendem dizendo que cumpriram ao pé da letra a legislação ambiental. Ou seja, mesmo equipamentos para gerar energia limpa e duradoura não dispensam óbvios cuidados e bom senso na instalação. Outro problema é a poluição visual - na Europa, ela se tornou tema de ativistas, incomodados com o horizonte repleto de imensas torres, espetaculares à primeira vista. As instalações em mar aberto - além de ser movidas por ventos mais fortes - empurram a suposta feiura para longe dos olhos.

Há campanhas, na Inglaterra e na Alemanha, com slogans divertidos como "Ok, but not in my backyard" (Tudo bem, mas não em meu quintal). Os "nimbys", como são conhecidos, representam a versão do século XXI para os manifestantes do século XX contra as usinas nucleares - nada que interrompa, por inexorável, uma previsão do xeque Zaki Yamani, ministro saudita, feita no auge da crise de 1973: "A Idade da Pedra não acabou por falta de pedra, então a idade do petróleo não acabará por falta de petróleo". Antes que isso ocorra, as fontes renováveis de energia ganharão espaço. Mas de nada adiantará trocar umas (as sujas) por outras (as limpas) se não for posta em prática a forma mais rápida, econômica e eficaz de aumentar a oferta de energia com barateamento do preço final ao consumidor: a chamada "eficiência energética", com a adoção de tecnologias, com-por-tamentos sociais e equipamentos que reduzam o desperdício. Mesmo a energia dos ventos, tão celebrada, se desperdiçada, é ruim.

(segue)

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