quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Perspectiva 2010 O ano zero da economia limpa (continuação) Logística reversa

(Continuação da matéria da revista Veja de dezembro de 2009, que estou postando em partes) 

5. Logísitica reversa

Linha de desmontagem
Levar os produtos usados de volta aos fabricantes é tendência natural – falta apenas combinar com o consumidor

Televisores a caminho da reciclagem em um depósito de Jingmen, na China, país tradicionalmente avesso aos cuidados ambientais

O que fazer com tanto lixo eletrônico?, parece gritar a fotografia ao lado. Ela mostra uma montanha de aparelhos de televisão usados no pátio de uma empresa de reciclagem em Jingmen, na China. Mesmo em um país atavicamente avesso aos cuidados ambientais, o reaproveitamento de materiais descartados começa a virar norma, por imposições legais e pressão da sociedade. Trata-se de fazer o caminho contrário – o produto sai das mãos do consumidor, já saciado, de volta à empresa que o fabricou. Dá-se a esse processo um nome que soa exageradamente técnico – "logística reversa" –, mas é simples. Se você ainda não ouviu essa expressão, anote-a, porque ela fará parte do cotidiano. "Tradicionalmente, a logística reversa não atraía muita atenção das empresas e estava associada apenas a questões ambientais", disse a VEJA Donna Retzlaff-Roberts, professora de ciência da gestão da Universidade do Sul do Alabama, nos Estados Unidos. "Agora, muitas delas descobriram que esse processo pode ser uma boa oportunidade para somar valor ao produto e à imagem da companhia."

Uma das pioneiras a investir nesse campo foi a Hewlett-Packard, a maior empresa de tecnologia da informação do mundo. A HP, o primeiro lugar entre as companhias mais verdes dos Estados Unidos, de acordo com ranking da revista americana Newsweek publicado em setembro passado, desenvolve desde 1987 programas de recuperação e reciclagem de impressoras, cartuchos e computadores. Em 2008, a HP recolheu 3,5 milhões de equipamentos no mundo, recapacitando-os para uso. Quatro anos atrás, para testar seu próprio programa de recuperação de lixo industrial, a empresa resolveu coletar computadores obsoletos de suas filiais em 29 países, incluindo o Brasil. O saldo, depois de três anos, foi de 44 500 equipamentos recolhidos, dos quais 70% foram restaurados e revendidos. Os 30% restantes destinaram-se à reciclagem – retornaram à linha de montagem de outras indústrias como matéria-prima para produtos diversos, como para-choques de caminhão.

No Brasil, a estrela dos programas de logística reversa da empresa são os cartuchos de impressoras a jato de tinta. Desde fevereiro deste ano, a HP reservou uma sala de cerca de 40 metros quadrados no piso térreo de sua fábrica, em Sorocaba, no interior de São Paulo, especialmente para o projeto. Apesar das instalações limitadas, mais de 375 000 cartuchos já foram reciclados nos últimos dez meses. Os cartuchos, devolvidos pelos consumidores em diversos pontos de coleta no país, vão parar na sala de reciclagem. Lá, são desmontados em três etapas, com a ajuda de máquinas. Materiais não recicláveis, como a tinta remanescente, são separados. O plástico restante é moído até se transformar em pedaços de cerca de 0,5 centímetro, que são enviados ao Canadá, onde ocorre a última etapa da reciclagem: a transformação em uma peça plástica, usada na parte interna de impressoras. "Quando uma empresa pensa seriamente no ciclo total de vida de seus produtos, busca inovações também para o início do processo", disse a VEJA Engelina Jaspers, vice-presidente mundial de sustentabilidade ambiental da HP. "Ela investe na criação de tecnologias para expandir o uso de materiais reciclados em seus produtos e facilitar sua reciclagem depois que o consumidor os descarta." Até 85% dos componentes das impressoras mais modernas, que pesam entre 3 e 5 quilos, em média, são recicláveis. Dez anos atrás, esse porcentual não passava de 40%, enquanto o peso de uma impressora doméstica era de 7 quilos, em média.
Lailson Santos

ANTIGO VIRA NOVO

Para Paulo Vodianitskaia, gerente de sustentabilidade da Whirlpool, "o maior desafio é chegar ao reaproveitamento total das peças usadas"

 A logística reversa, esta que agora decola, passou a constar da pauta da gestão empresarial no fim da década de 80. Mas, por enquanto, salvo raras exceções, é uma operação que ainda dá prejuízo ou, no máximo, se paga. "O processo costuma ser até 30% mais caro que o lucro gerado pelo reaproveitamento de materiais e pela venda de matéria-prima a outras indústrias", diz o engenheiro de produção Paulino Francischini, professor de operações e logística da Universidade de São Paulo. Por que, então, a preocupação dessas empresas é tão grande? A resposta: responsabilidade ambiental e preocupação com a imagem corporativa. Não há, no Brasil, legislação federal e vive-se a confusão de normas locais que variam de estado para estado. Ante a barafunda, a sociedade, com pressa, saiu na frente – embora o consumidor ainda tenha o respeito ao meio ambiente mais como percepção, ou mera vontade, do que como prática real no cotidiano.

Os brasileiros, segundo pesquisas de opinião, prestam atenção na preocupação das empresas com o meio ambiente. E muitos estão dispostos a pagar mais caro por um produto no caso de o valor ser destinado a projetos de proteção do meio ambiente. Ainda assim, os consumidores, por desconhecimento, são um dos maiores entraves aos processos de logística reversa. Em 2003, a Itautec criou um programa de reciclagem aberto ao público, mas que acabava atendendo exclusivamente aos computadores da própria empresa e contratos corporativos. Demorou cinco anos para que o primeiro cliente comum procurasse o serviço. Mesmo com o programa gratuito à disposição de todos os clientes, apenas cinco máquinas foram entregues até o momento. "Embora o consumidor comum esteja mais consciente, a maioria ainda não pensa sobre o lixo ou desiste de lhe dar o destino correto caso isso envolva algum trabalho ou custo", afirma João Carlos Redondo, gerente de sustentabilidade da Itautec.

A falta de interesse não impede outras boas iniciativas. Desde 2005, a Whirlpool (fabricante das marcas Brastemp e Consul) dispõe de um programa de coleta e reciclagem de geladeiras antigas. Por enquanto, o serviço não é aberto a todos os consumidores. As peças usadas são retiradas pela Whirlpool e seguem para uma linha de desmontagem na fábrica da empresa, em Joinville, Santa Catarina (veja o quadro ). "O maior desafio é chegar ao reaproveitamento total do material dos produtos antigos e ampliar sua coleta, para que o lixo seja zero", diz Paulo Vodianitskaia, gerente de sustentabilidade da Whirlpool Latin America. Outro braço da logística reversa da empresa cuida das embalagens dos novos produtos. Para ampliar a coleta, feita há quase sete anos (mas ainda restrita a algumas cidades de São Paulo), a Whirlpool firmou uma parceria com uma grande empresa de varejo. Os entregadores da loja que levam a geladeira nova à casa do cliente retiram a embalagem do eletrodoméstico. Até agora, o programa recolheu 127 toneladas de papelão, plástico e isopor, destinados à reciclagem.

Empresas de bebidas, como Coca-Cola e AmBev, também tentam ampliar o reaproveitamento das embalagens de seus produtos. A AmBev recicla rótulos e reutiliza garrafas retornáveis de plástico e vidro. No início de 2010, a Coca-Cola vai começar a utilizar garrafas PET produzidas a partir de vasilhames plásticos usados (um dos grandes vilões ambientais). A tecnologia está disponível no exterior há quase dez anos, vigora na Alemanha e nos países nórdicos, mas é novidade no Brasil. A embalagem usada é triturada e passa por um processo de limpeza. O material é derretido e a resina é misturada à resina nova, para a produção de garrafas. Como experiência a caminho dessa novidade, a empresa já oferece em supermercados e bares de algumas cidades do interior de São Paulo a PET retornável com um atrativo monetário em nome da limpeza. O preço de uma Coca de 1,5 litro em PET retornável varia de 1,59 real a 2,10 reais se o consumidor levar o casco. A mesma garrafa, sem a troca, custa 1,50 real a mais. É uma ideia do passado, do tempo em que nossos pais e avós trocavam o casco, com um quê moderno de sustentabilidade.

VIDA ESTENDIDA

Na HP, o plástico dos cartuchos recolhidos é moído, transformado em pó e depois utilizado na manufatura de peças que retornam a impressoras

(segue)

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