terça-feira, 31 de agosto de 2010

Perspectiva 2010 O ano zero da economia limpa (continuação) Globalização

(Continuação da matéria da revista Veja de dezembro de 2009, que estou postando em partes)


8. Globalização 2.0

Éramos caubóis, somos astronautas
Antes, não tínhamos receio de desbravar o mundo. Hoje, estamos aprendendo a viver numa nave lotada, e de recursos restritos. O caminho para enfrentarmos as enrascadas globais passa pelo nascimento de uma cidadania planetária


Soa como clichê, é imagem algo desgastada, mas o fato é que, em 1969, quando chegamos à Lua e de lá observamos nosso planeta, algo começou a mudar em nossa mente. Porém, apesar da contundente imagem na televisão e nas páginas de revistas e jornais, a vida real continuou a mesma. Afinal, éramos meros 3,6 bilhões de pessoas. Não pensávamos em nossa "pegada ecológica", mas, se o fizéssemos, veríamos que só 70% da capacidade da Terra era utilizada. Como caubóis, víamos um vasto mundo a ser ocupado e usufruído sem receio. Buscávamos nosso oeste apoiados nas descobertas da ciência. Em apenas quarenta anos, tudo mudou.

Hoje somos quase 7 bilhões de seres humanos, e tiramos da Terra 30% mais do que ela pode dar, exaurindo rapidamente o patrimônio de cuja renda dependemos. Descobrimos que já não somos caubóis, mas astronautas. Vivemos isolados numa grande nave, com recursos finitos e limitado espaço para dejetos. A realidade que conhecíamos – mas não sentíamos – agora se impõe, sob a forma de mudanças climáticas, montanhas de lixo, conflitos por água, petróleo e outros recursos.

Existem saídas para esse impasse? Certamente sim, e somos capazes de construí-las, apesar dos enormes obstáculos a superar. Um deles, talvez o maior, é o desafio institucional, do qual pouco se fala. A imagem da Terra vista do espaço revela, também, que o mundo não tem fronteiras. E esse é mais um dado da realidade que ainda insistimos em ignorar. Os 192 países que hoje compõem a ONU nada mais são que invenções humanas, criadas há poucas centenas de anos. Conceitos hoje quase sagrados – como pátria e soberania nacional – só foram consolidar-se em meados do século XVII, com a Paz de Vestfália. Foi nesse conjunto de tratados que, finalmente, os potentados da nobreza europeia, incluindo o Sacro Império Romano-Germânico, reconheceram mutuamente seus respectivos poderes, estabelecendo o que hoje chamamos de estados nacionais: parcelas do planeta sobre as quais existiria uma e apenas uma autoridade central, soberana. O tempo passou, e a globalização atual torna cada dia mais evidente que falta algo nesse modelo: falta combinar como pilotaremos nossa nave, nosso planeta sem fronteiras – sem esquecer, obviamente, a autonomia de cada país.

Além de elementos naturalmente globais – como o clima, as aves migratórias e os vírus –, temos hoje criações globais humanas, como a poluição, os mercados, as telecomunicações e a cultura de massa. Já sentimos na pele a necessidade de enfrentar unidos os desafios planetários. Mas, para isso, dispomos apenas de instituições nacionais ou, na melhor das hipóteses, de um sistema internacional. O problema: ele não é de fato global, acima das nacionalidades, pois apenas junta países, que continuam inevitavelmente enredados em suas agendas nacionais, quando não reféns da desonestidade ou do egoísmo de lideranças locais. Os tropeços e impasses na recente conferência do clima – a COP15, em Copenhague – são o mais recente e dramático exemplo desse cenário.

A necessidade de instituições verdadeiramente globais é evidente. Mas construí-las será um desafio gigantesco. A crise de representatividade dos estados nacionais e dos políticos que os dirigem é gritante no mundo todo. Mas confiar apenas na "mão invisível" do mercado, sem regulamentações, também é perigoso, como mostrou a recente crise financeira que nasceu dos exageros de Wall Street. Intensificadas pelas modernas tecnologias da informação, navegando no espaço criado pela internet, iniciativas mundiais de cooperação e articulação são cada vez mais frequentes. Elas mesclam estados nacionais com representantes de segmentos auto-organizados da sociedade planetária – como empresários, investidores, cientistas, trabalhadores, consumidores e ONGs. Um exemplo disso é a ISO 26 000, norma internacional de responsabilidade social que já está praticamente pronta e deve ser publicada em fins de 2010. Ela representa um magnífico passo rumo à globalização 2.0.

Trabalhando juntas num processo altamente inovador, centenas de pessoas de todo o mundo dedicam-se, há mais de cinco anos, a compilar as expectativas embutidas nos acordos internacionais produzidos pelo sistema Nações Unidas e a combiná-las com as mais consagradas práticas da boa gestão administrativa. O resultado é um guia de diretrizes inédito, que mostra a qualquer organização – empresarial ou não – o que espera dela a comunidade global, além de orientá-la sobre como aplicar essa conduta no seu dia a dia.

Como esse da ISO 26 000, vários outros exemplos demonstram que está em plena construção um novo paradigma, uma cidadania global. De que esse é o caminho, não há dúvida. Em que resultará é uma pergunta ainda em aberto.

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