sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Perspectiva 2010 O ano zero da economia limpa (continuação) Mudança Climática


(Continuação da matéria da revista Veja de dezembro de 2009, que estou postando em partes)

 
Não surpreende que o problema da mudança climática tenha causado sua própria safra de objeções.

"Até os especialistas discordam sobre a realidade da mudança climática." Isso foi verdade há trinta anos, e alguns especialistas ainda discordavam uma década atrás. Hoje, virtualmente todo climatologista concorda que as temperaturas médias globais, o ritmo do aquecimento e os níveis atmosféricos de dióxido de carbono são maiores do que em qualquer momento do passado recente da Terra, e que a principal causa é a emissão de gases do efeito estufa por humanos. As questões que ainda estão sendo debatidas são se a temperatura média global vai aumentar em 2 graus até 2050 e se os humanos respondem por 90% ou "só" por 85% da tendência global de aquecimento.

"A magnitude e a causa da mudança climática global ainda são incertas. Não deveríamos adotar contramedidas custosas até que tenhamos certeza." Em outras esferas da vida - escolher um cônjuge, educar os filhos, comprar ações e seguros de vida etc. - admitimos que a certeza é inalcançável e que devemos tomar a melhor decisão possível com base nas evidências disponíveis. Por que a busca impossível pela certeza deveria nos paralisar somente a respeito das providências contra a mudança climática?

"O aquecimento global será bom para nós, por permitir o cultivo agrícola em lugares antes frios demais para a agricultura." O termo "aquecimento global" é impróprio; deveríamos falar em mu- dança climática global, que não é uniforme. A temperatura global média de fato está subindo, mas muitas áreas estão ficando mais áridas, e a frequência de secas, inundações e outros episódios climáticos extremos está aumentando. Algumas áreas sairão ganhadoras e outras serão perdedoras.

"É inútil que os Estados Unidos ajam contra a mudança climática se não souberem o que a China fará." Na verdade, a China chegou para as negociações da conferência climática de Copenhague com todo um pacote de medidas para reduzir a sua "intensidade de carbono". Enquanto os Estados Unidos hesitam a respeito da transmissão elétrica a longa distância das áreas rurais (com maior potencial para a produção de energia eólica) para as áreas urbanas (mais necessitadas de energia), a China está muito à frente. Ela desenvolve linhas de transmissão para voltagens ultra-altas, saindo de locais de produção eólica e solar no oeste rural do país para cidades no leste. Se os Estados Unidos não agirem para desenvolver uma tecnologia energética inovadora, logo perderão a competição dos "empregos verdes" não só para a Finlândia e a Alemanha (como já ocorre), mas também para a China.

Em cada uma dessas questões, as empresas americanas, e de todo o mundo, terão um papel igual ou maior que o do governo. Meus amigos do mundo empresarial continuam me dizendo que o governo de Washington pode ajudar em duas frentes: por um lado, investindo em tecnologia "verde", oferecendo incentivos fiscais e aprovando uma legislação com limites e comércio de emissões; por outro, estabelecendo e fiscalizando padrões rígidos para assegurar que as empresas com métodos baratos e sujos não tenham uma vantagem competitiva sobre as que protegem o meio ambiente. Quanto ao resto de nós, deveríamos superar a interpretação equivocada de que as empresas americanas só se importam com os lucros imediatos e recompensar as companhias que mantêm o planeta saudável.

CHEVRON - Sucessivas explicações aos acionistas por gastar tanto com controle ambiental das usinas de petróleo

O que virá depois de Copenhague - Certamente não é a morte, apesar dos resultados tímidos da cúpula. A sustentabilidade, todos concordam, é a próxima fronteira da inovação e o principal motor dos negócios


APOCALIPSE
Manifestante na capital dinamarquesa vestido a rigor para anunciar o fim dos tempos

A sustentabilidade não é mais opcional: é essencial. Depois de anos gastos na exploração da filantropia e da cidadania corporativas, a revolução verde está finalmente acontecendo nas salas de conselhos administrativos em muitos países. Admite-se cada vez mais que, com o passar do tempo, as marcas líderes só vão permanecer como tal se também forem reconhecidas como líderes da responsabilidade corporativa – e se isso for visível não só em suas práticas internas ou processos industriais, mas também na maior parte dos seus produtos e serviços.

O ano de 2010 será o primeiro dessa nova era de maturidade para as estratégias corporativas de sustentabilidade. Esse período, que chamo de "sustentabilidade 2.0", é a última e mais excitante fase de uma evolução que já dura quase trinta anos. A "pré-história" da responsabilidade social corporativa (RSC), que durou basicamente quinze anos, de 1980 a 1995, estava focada em doações benemerentes para boas causas ou patrocínios de empresas que não vinculavam de forma alguma essa "filantropia corporativa" ao seu modelo de negócios, estratégia ou oferta de produtos – que permaneciam incontestes e imutáveis. A esse estágio se seguiu a primeira era da RSC moderna (RSC 1.0): os anos seguintes, de 1995 a 2009, testemunharam uma ampliação da cidadania corporativa para práticas industriais e processos corporativos, na maior parte das vezes por causa de uma abordagem defensiva, de modo a antecipar novos regulamentos, prevenir crises industriais e de imagem. Tratava-se, ainda, de reduzir custos relacionados ao consumo excessivo dos recursos naturais e relatar esforços feitos para limitar os impactos negativos dos negócios sobre as pessoas e o planeta (via compras éticas, por exemplo). Isso nos levou à situação de hoje, em que quase todas as empresas falam de sustentabilidade... E daí?

Na maioria das vezes, essa abordagem não levou a inovações perturbadoras, não conseguiu integrar a sustentabilidade à "real" estratégia de negócios ou ao modelo empresarial da companhia, nem alterou os produtos e serviços que a empresa oferece. Produtos e serviços "verdes" ou "responsáveis" têm sido lançados, mas, sem serem realmente promovidos, respondem por menos de 1% das vendas (isso vale para o turismo sustentável, a comida orgânica e os investimentos éticos ou responsáveis). De certa maneira, a atual RSC tem sido ótima em manter as coisas como estão por algum tempo a mais, sem considerar mudanças profundas. Mas, embora a reputação das empresas tenha melhorado, isso não bastou para resolver os desafios sociais e ecológicos que enfrentamos – as emissões de CO2 aumentaram quase exatamente na proporção em que deveriam ter diminuído desde o Protocolo de Kyoto, 75% dos estoques marítimos de pesca estão superex-plorados, metade das florestas tropicais e temperadas do mundo sumiu e a disparidade entre os mais ricos e os mais pobres dobrou nos últimos trinta anos do século XX. (segue)

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