segunda-feira, 7 de junho de 2010

Uma visita à origem da vida Pesquisadores do Censo da Vida Marinha descobrem uma inesperada biodiversidade microscópica nos oceanos

O Censo da Vida Marinha, megaprojeto internacional que há uma década mapeia a biodiversidade dos oceanos, concluiu que poucas espécies desapareceram até agora – mas muitas delas, como o atum e o bacalhau, estão próximas de ser comercialmente extintas. Ou seja, os cardumes foram tão reduzidos pela pesca excessiva que logo não valerá a pena continuar a capturá-los. Isso no que diz respeito à parte visual – os peixes grandes, moluscos e animais estranhos que chamam mais atenção. A descoberta mais surpreendente, no entanto, foi feita no lado oposto do universo visível: a inesperada variedade e magnitude da vida microscópica dos oceanos, entre micróbios, larvas e plânctons. Antes do início do projeto, estimava-se que vivessem no ecossistema oceânico 20.000 espécies de seres invisíveis ou difíceis de ver a olho nu. Os resultados preliminares do censo revelam a existência de mais 20 milhões de tipos de micróbio nos oceanos. O número verdadeiro pode ser de bilhões ou trilhões. Se o tamanho de cada indivíduo é desprezível, em conjunto os seres microscópicos constituem 90% da biomassa marinha. Para quem prefere medir em peso de elefantes africanos, isso equivale a 240 bilhões deles. Essa população microscópica desempenha funções essenciais para a vida no planeta. Capaz de converter dióxido de carbono em oxigênio, ela responde pela produção de 95% do oxigênio dos oceanos e 50% do existente na atmosfera.

Os pesquisadores descobriram também um vasto "tapete" de bactérias, do tamanho do estado do Ceará, na costa do Chile e do Peru. Para encontrar os microrganismos, que vivem em profundidades nas quais a concentração de oxigênio é mínima ou quase nula, os cientistas usaram um robô submarino. Os testes iniciais mostraram que a colônia é formada por bactérias adaptadas para viver sob extrema hipóxia – ou seja, sem oxigênio. A colônia sobrevive à base de hidrogênio, sulfureto e nitratos, substâncias provenientes dos gases liberados no fundo do oceano. Isso pode indicar que as bactérias têm origem em um ecossistema primitivo, estimado em 2,5 bilhões de anos, quando ainda não havia oxigênio livre na Terra. A aparição do oxigênio nos oceanos, resultado da evolução dos primeiros fitoplânctons e de outros organismos capazes de usar a fotossíntese para transformar o dióxido de carbono em oxigênio, é relativamente recente – apenas meio bilhão de anos. "Fósseis encontrados no fundo dos oceanos continham bactérias filamentosas muito parecidas com as que existem nesses tapetes, o que nos faz pensar que essas bactérias cobriam toda a extensão do fundo marinho", disse a VEJA o chileno Victor Gallardo, vice-presidente do comitê científico do censo.

Há bilhões de anos, quando o oceano era totalmente desprovido de oxigênio, existia um ecossistema complexo, similar ao de uma floresta tropical, com milhares de tipos de bactéria. Só depois que as bactérias sofreram mutações e se adaptaram ao oxigênio foi possível existir vida na superfície seca da Terra. "Muitos cientistas acreditam que a vida surgiu nas chaminés do fundo do mar", disse a VEJA o pesquisador Ronald O’Dor, chefe do Censo da Vida Marinha. "A quantidade de energia e a riqueza de compostos químicos muito provavelmente provocaram a reação química que deve ter iniciado todo o processo biológico, o primeiro DNA sintetizado."

Fonte:  Veja / Alexandre Salvador

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