segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Análise histórica da biodiversidade de Mato Grosso

O ano de 2010 vem sendo todo dedicado às comemorações acerca da biodiversidade mundial, neste ensaio, desejamos conscientizar o leitor, da participação de Mato Grosso e sua história de ocupação e exploração dos recursos naturais. Cabe ressaltar que para se fazer os “Diagnósticos Florestais”, se fazem necessários destacar o processo histórico das áreas em estudo, estabelecendo relações tanto das “perdas da cobertura vegetal”, como das principais atividades econômicas que ali se desenvolveram. Embora reconheça que esse estudo apresente algumas vantagens, isto é, uma visão geral das alterações de longa duração, no entanto, pretende-se, aqui fazer uma abordagem alternativa na qual se privilegia a análise histórica dos usos da biodiversidade em seus três biomas (cerrado, amazônico e pantanal).

Posto isso, percebe-se que “a perda da cobertura vegetal” originária, é resultante das atividades econômicas produzidas ao longo do processo histórico de ocupação mato-grossense e cujas análises anteriores nos remetem apenas a conjectura qualitativa relacionada ao uso da biodiversidade. Dentre estes aspectos destacam-se aqueles que dizem respeito às motivações, aspirações e necessidades que impulsionaram os agentes sociais a fazerem diferentes usos dos recursos naturais. Todavia, o papel que estes “usos” desempenharam nos projetos, nas condições de reprodução social e no cotidiano de diversificados grupos sociais, só revelam o modo de como se deu “a perda da cobertura vegetal” e como isso afetou e/ou afeta a vida da população mato-grossense.

Considerando esse “caldeirão” cultural e as diferenças sociais que caracterizam esta população, há que destacar que não só as elites políticas e empresariais faziam e/ou fazem os usos dos recursos naturais de Mato Grosso, como, também, outros segmentos e grupos sociais dependiam estritamente da utilização direta desses recursos sejam para sua sobrevivência, como da sua reprodução social.    Penso ser necessário, enfatizar que tais concepções não podem ser vistas aqui como um simples reflexo ideológico de determinações econômicas, mas, simultaneamente, como condição e produto de práticas político-sociais concretas – aspecto inerente e indissociável das relações que os homens travam entre si e com a natureza.

Nesta perspectiva, a análise procura dar conta da pluralidade de usos sociais da biodiversidade, suas diferentes práticas sociais e suas concepções; valores e ideias que sustentam e realimentam as relações entre o homem e o mundo natural. Evidencia-se o caráter radicalmente histórico da ação antrópica. Inserindo-a em contextos econômicos, políticos, sociais e culturais, ou seja, esta ação deve ser observada como o produto de relações entre os homens e de relações sociedade-natureza, no contexto histórico e cultural.

No que tange as populações indígenas é importante focar que esses usos dos recursos naturais constituem um aspecto fundamental para uma análise ampla da problemática dos usos sociais da biodiversidade. Contudo, a presença de vários grupos indígenas em Mato Grosso. De um lado, porque a história da apropriação dos recursos naturais existentes neste território, desde a chegada dos primeiros luso-brasileiros, se fez com base na expropriação das terras indígenas e nas alianças com eles formadas.    E, de outro, porque a colonização dificilmente teria se concretizado sem a apropriação/incorporação de saberes e práticas culturais destes povos, que permitiram ao não-índio “decodificarem” os recursos de uma natureza que, para estes, apresentava-se como hostil, primitiva, e selvagem. Cabe assinalar, que os usos da biodiversidade aqui subentendem, especificamente, aos recursos florestais.

Uma das características marcantes deste tipo de exploração é a permanente contradição que se estabelece entre os usos propriamente sociais dos recursos naturais – no sentido de que se destinam à subsistência e a reprodução de determinados grupos sociais e a apropriação, exploração e valorização destes recursos nos quadros de um sistema produtivo capitalista, sustentado, na expropriação da terra e das demais condições de subsistência das populações tradicionais.

O uso dos recursos por parte das populações excluídas, apresentou-se como um elemento vital para a sua reprodução social, suprindo necessidades de alimentação, moradia, vestuário, trabalho, lazer, transporte, saúde e constituindo-se, assim, num importante fator na melhoria das suas condições de vida. Estes usos, na medida em que não faziam parte da economia formal, foram sistemática e deliberadamente desconsiderados. Vistos pelas elites políticas e econômicas como improdutivos atrasados e primitivos, eram ainda condenados por permitir, em grande parte, a subsistência destas populações à margem do mercado e dos mecanismos de controle do capital.

Para estes grupos hegemônicos, os recursos naturais eram valorizados apenas na medida em que pudessem ser transformados em mercadorias e, dessa forma, incorporados na dinâmica capitalista. Esta concepção consolidou-se, historicamente, através de práticas políticas e econômicas que resultaram, não apenas no já conhecido processo de degradação e impacto ambiental, mas, sobretudo, em um violento processo de degradação da qualidade de vida das populações tradicionais e das comunidades indígenas.

Portanto, um processo social e cultural excludente. Socialmente injusto, na medida em que as maiores partes dos recursos naturais vão sendo, cada vez mais, apropriadas privadamente, beneficiando apenas uma parte da sociedade – os detentores do capital. “Culturalmente excludente, na medida em que a imposição de uma determinada forma de utilização dos recursos natural tida como superior” vem significando a desestruturação, ou no limite, a destruição da diversidade cultural, representada pelos povos indígenas e comunidades tradicionais.     Nesse quadro, conclui-se que as características do processo de expansão capitalista recente em Mato Grosso, por meio de empreendimentos privados, concentração da propriedade fundiária, modernização tecnológica (agrotóxicos e transgênicas), uso intensivo de capital e a mentalidade predatória insustentável, em seu conjunto, vêm impedindo o acesso aos recursos naturais, diminuindo sua quantidade e a sua diversidade e levando ao desaparecimento da rica variedade de usos sociais da biodiversidade.

Reduzindo de forma drástica as possibilidades de apropriação desses recursos por parcelas mais amplas da população, conforme suas necessidades e especificidades culturais tornando-se, privilégio apenas de uma pequena minoria social. Para reverter esta história de caos implica, sobretudo, romper com esse modelo, que, ao longo de séculos, encararam a natureza como fontes inesgotáveis de recursos e como propriedade de uso próprio fazendo dela fonte de acumulação de riquezas inesgotáveis e impondo dessa forma seus próprios métodos, padrões e concepções de uso indiscriminado e de exploração.

Fonte: Tribuna Mato Grosso / Ney Iared Reynaldo

(*) Ney Iared Reynaldo é doutor em História da América, docente do Departamento de História do campus local da UFMT  e Coordenador do Núcleo de Estudos e Atividades da Terceira Idade

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