quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Perspectiva 2010 O ano zero da economia limpa (continuação) Última parte

(Última postagem da matéria da revista Veja de dezembro de 2009, que foi postada em partes)





Svante Arrhenius era um desconhecido físico sueco quando, em 1896, fez um alerta: se a humanidade continuasse a emitir dióxido de carbono na atmosfera no mesmo ritmo que fazia desde a alvorada da Revolução Industrial, em 1750, a temperatura média do planeta subiria de maneira dramática, em decorrência do efeito estufa.

Pouca gente escutou o apelo de Arrhenius em seu tempo, um período sem carros, sem megalópoles, com apenas 1,2 bilhão de pessoas no mundo. Quase ninguém seguiu seu raciocínio na maior parte do século seguinte. Foi assim até que novas evidências científicas surgiram, além das catástrofes naturais. E nos anos 1960 brotou uma ideia romântica, utópica e alternativa de preservação da natureza. Ela hoje entrou na corrente principal do pensamento ocidental, ajudou a transformar os processos de produção industrial e moldou o perfil dos líderes empresariais que conduzem o capitalismo no século XXI. Há muito ainda a ser feito. Evidentemente, é um frágil equilíbrio, mas trata-se, agora, de agir já para pagar menos depois.

Um relatório produzido em 2006 pelo economista inglês Nicholas Stern, então no Banco Mundial, indica que investir imediatamente, a cada ano, 1% do PIB global pode evitar perdas de até 20% desse mesmo PIB até 2050. É informação que os líderes reunidos na COP15, em Copenhague, neste mês, tinham com nitidez. Esses números não os fizeram avançar muito, em uma cúpula que entrará para a história pelos tímidos resultados que ofereceu. Não há problema. Existe uma mensagem clara: os estados não se entendem, escorregam na burocracia e em interesses egoístas, mas a iniciativa privada saiu na frente. As empresas e a sociedade já fazem mais e melhor que os governos no combate ao aquecimento global. Eles ainda patinam para entregar sua principal - se não única - contribuição, a de definir um quadro institucional estável e favorável à livre-iniciativa, à inovação e ao empreendedorismo.

Nas próximas 62 páginas, VEJA faz um amplo painel dos lançamentos de produtos, das ideias e das posturas que, a partir de 2010, começarão a delinear mais claramente o cotidiano baseado na economia limpa.

As 10 ideias e posturas de um novo mundo

Ecodesign
1. O apagar das luzes da lâmpada de Edison
• Emissão zero em cidade nos Emirados Árabes

Carros elétricos
2. A chegada dos primeiros modelos de grandes montadoras

Executivos verdes
3. O perfil do líder moderno dentro das empresas

Energias renováveis
4. O vento é limpo mas ainda custa caro

Logística reversa
5. A reciclagem de resíduos já é bom negócio

Responsabilidade
6. Apagar o passivo ambiental vale dinheiro

Propaganda
7. A militância (e a polêmica) na publicidade

Globalização 2.0
8. A era da cidadania global

Capital natural
9. Está na hora de cobrar pelos recursos naturais

Créditos de carbono
10. Falta ainda saber quanto custa poluir

(todos os assuntos acima foram postados anteriormente)

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Perspectiva 2010 O ano zero da economia limpa (continuação) Ecodesign

(Continuação da matéria da revista Veja de dezembro de 2009, que estou postando em partes)


1. Ecodesign

A reinvenção da luz
A lâmpada incandescente se apaga depois de 130 anos, em um dos mais fascinantes movimentos de inovação tecnológica de nosso tempo

Peça a uma criança para desenhar uma lâmpada – 100% delas farão um globo bojudo com um filamento em seu interior, no traço simples sem firulas, tal como foi patenteado pelo americano Thomas Alva Edison, em 27 de janeiro de 1880, há exatos 130 anos. Poucos produtos na história da civilização atravessaram um século, o XX, de modo tão decisivo e com tão poucas alterações na forma original. O que mudou, basicamente, foi o fio metálico, que, aquecido, emana calor e luz (90% do primeiro e apenas 10% do segundo, num show de desperdício) – antes ele era feito de carbono e hoje é de tungstênio.

Depois de uma década de lenta agonia – nos anos 1990 surgiram as fluorescentes compactas, que duram oito vezes mais –, as lâmpadas incandescentes, ou elétricas, agora parecem apagar de vez. Em todo o mundo, as legislações as tiram de tetos e abajures. Na Austrália, já em 2010 as de 40 watts não poderão mais ser vendidas. Na União Europeia, uma norma deflagrou a contagem regressiva, a partir de setembro de 2009, que culminará em 2012. Nos Estados Unidos, o limite é 2013. No Brasil, um projeto de lei ainda tramita no Congresso, mas ele trabalha com o mesmo prazo americano. É o fim de uma era.

É o símbolo, do ponto de vista do ecodesign, de todas as mudanças cuja locomotiva é a preocupação com o aquecimento global. Mudou-se o traço a serviço da inovação tecnológica. Na velocidade da luz, as compactas fluorescentes também parecem fadadas a sumir. Serão substituídas pelo LED, o acrônimo de diodo emissor de luz, em inglês. Nessa tecnologia, um semicondutor semelhante ao usado nos microcomputadores, quando atravessado por energia, emite luminosidade. As lâmpadas de LED convertem até 40% da energia consumida em luz. A redução no desperdício traz benefícios evidentes ao meio ambiente.      Nos países onde a eletricidade é produzida a partir da queima de combustíveis fósseis, essa economia significa 11% dos gases do efeito estufa na atmosfera. Se a metade de toda a iluminação mundial fosse convertida à tecnologia LED até 2025, seria possível economizar 120 gigawatts de eletricidade. Isso reduziria as emissões de dióxido de carbono em 350 milhões de toneladas por ano. Nos Estados Unidos, equivaleria a tirar 7,5 milhões de carros das ruas.

A troca das lâmpadas, por seu efeito didático, sempre foi entendida muito mais com romantismo do que com ciência. Deu-se a virada, em novembro passado, com um estudo conduzido pela Osram, a empresa alemã de iluminação, que serviu de xeque-mate. A descoberta: ao longo de toda a vida de uma lâmpada de LED – da manufatura ao acender da luz –, a energia utilizada é um quinto da compacta fluorescente, a antecessora natural. Sabia-se que o LED usa ínfima fração de eletricidade de uma lâmpada comum para produzir o mesmo montante de luz, mas havia uma dúvida: a fabricação e a distribuição, mais custosas, não poluiriam mais que as outras, indicando uma morte tecnológica prematura? Não. "Esse estudo entrega fatos onde antes havia apenas evidência emocional", diz Kaj den Daas, chefe executivo do departamento de iluminação da Philips nos Estados Unidos. Recentemente, a Philips lançou um modelo de LED prático, com o soquete igual ao dos bulbos de Edison e com luminosidade equivalente à incandescente de 60 watts. Deve chegar às lojas no fim de 2010.

O desenho dessa peça da Philips (veja quadro) é um aceno aos saudosistas, aos que já lamentam a perda do agradável amarelo das lâmpadas antigas e têm saudade antecipada dos desenhos de nossos filhos. Na Alemanha, tida como guardiã do ambiente, cidadãos estocam as incandescentes antes da morte anunciada. Desde julho, houve crescimento de 600% nas vendas. Ao produzir uma peça parecida no formato com o globo de vidro do fim do século XIX, a Philips fechou um ciclo para abrir outro.

Mas, ressalve-se, tudo é questão de hábito – as lâmpadas de Edison também foram recebidas, na virada do século retrasado para o passado, como afronta aos lampiões de gás e a sua luzinha verde-azulada. E que tal unir a inovação com o passado, o futuro com a nostalgia? Foi o que fez a cidade de Torraca, na região da Campânia, na Itália, que atravessará o réveillon de 2009 para 2010 como a primeira do mundo totalmente iluminada por LED. Ela é pequena, tem 700 ruas e apenas 1200 moradores, mas já virou ícone de sustentabilidade na elegante mistura de ruelas medievais com iluminação do século XXI. Tem sido celebrada, preservadas as diferenças históricas, como o Viaduto Holborn, na Londres de 1882, cujos postes de eletricidade foram acionados por Thomas Alva Edison.

O pioneirismo de Edison
Ele foi o primeiro empreendedor a incentivar o uso de energias alternativas

A primeira vez que a palavra sustentabilidade apareceu no The New York Times com o sentido que leva hoje foi em 1973, durante a crise do petróleo. A expressão ambientalismo despontou um pouco antes, em 1957. Meio século mais cedo, Thomas Alva Edison (1847-1931), o homem que tornou a lâmpada elétrica economicamente viável, já tinha preocupações que apenas recentemente os executivos mais sensatos começam a ter. Em um artigo de 1901, publicado pelo jornal The Atlanta Constitution, ele já sugeria o uso de moinhos de vento de modo a produzir energia para os cidadãos do campo, "para que eles possam ter luz durante a noite", sem depender do petróleo que movia as usinas de eletricidade. A primeira casa movida a energia eólica tinha sido construída em 1888, e a exploração de combustível fóssil mal completara quarenta anos de existência.

Atento ao crescimento do consumo nos Estados Unidos, ele chegou a selar um acordo com Henry Ford para desenvolver um carro elétrico que pudesse rivalizar com o Modelo T, o primeiro a sair em série das linhas de montagem. Ao mesmo tempo, ergueu uma casa ecologicamente correta, a "Residência Urbana do Século XX", com aquecimento feito por meio de claraboias, unidades de aquecimento solar e eólico – além, é claro, de dezenas de lâmpadas elétricas. Com o apoio de um gerador movido a gás, ele conseguia produzir energia para a casa e para a vizinhança. Hoje, pequenas geradoras de energia, descentralizadas e independentes da sobrecarregada rede oficial, são uma das alternativas mais celebradas em todo o mundo. Mas os sonhos de Edison fracassaram – sua residência suburbana foi incapaz de produzir energia própria sustentável, e os veí-culos elétricos deram lugar aos carros movidos a petróleo, economicamente mais viáveis. Mesmo as lâmpadas, que ele imaginava fossem virar produto de massa no fim dos anos 1880, só se espalharam no início do século XX. Havia naquele tempo, como existem hoje, objeções financeiras: "Não há como o sistema elétrico de Edison concorrer com o gás, mesmo que os capitalistas encontrem financiadores que ajudem a contribuir com a ideia em Nova York", anotou um artigo do New York Times em 1880.

Pioneiro, Edison só não está se virando no túmulo, com o fim da lâmpada incandescente, porque foi o primeiro entre os grandes empreendedores a entender a importância de não gastar todos os recursos do planeta e a buscar saídas limpas para a economia suja.

VISIONÁRIO
Inventor do modelo incandescente comercial (patente de 1880 ao lado), Edison já imaginava um mundo de pás de vento como alternativa ao petróleo


Oásis no deserto
Masdar, enclave em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, quer ser a primeira cidade totalmente ecológica do mundo – mas há o risco de ela virar um parque de diversões para excêntricos
           
Abu Dhabi, a capital dos Emirados Árabes Unidos, o oitavo maior produtor de petróleo do mundo, um dos campeões em emissões per capita de dióxido de carbono, é o último lugar onde se imaginaria encontrar o futuro do movimento ambientalista. Pois ali, ironicamente, nasce uma fascinante experiência – a cidade de Masdar, projeto de 22 bilhões de dólares destinado a se transformar no primeiro aglomerado urbano com emissão zero dos gases que provocam o efeito estufa, totalmente movido a energia solar e reaproveitamento máximo do lixo. A arquitetura é do britânico Norman Foster, responsável por obras como a restauração do Reichstag, o Parlamento alemão, em Berlim, e o novo estádio de Wembley, nas cercanias de Londres. As primeiras fundações de Masdar começaram a surgir, firmes e fortes, em 2008. A inauguração está prevista para 2016.

"É uma imagem realmente forte", diz Rajendra Pachauri, o principal executivo do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), prêmio Nobel da Paz em 2007. "Um país sem necessidade imediata de diversificação de energia dá um passo à frente, e ele pode servir de exemplo." Convém lembrar que Masdar abrigará apenas 40 000 pessoas – e com pouca gente tudo é mais fácil, especialmente manter o ar limpo. A cidade, que funcionará também como polo de atração tecnológica de energias renováveis – uma espécie de Vale do Silício destinado à sustentabilidade –, tem dois caminhos possíveis. O primeiro: virar laboratório para outras iniciativas na mesma direção, um olhar para as possibilidades do ecodesign aplicado ao urbanismo. O segundo: transformar-se numa espécie de Disney para excêntricos amantes do ambiente, um parque de diversões bilionário, mero oásis no deserto. O risco existe e não pode ser desprezado. "Para mim, é como uma prisão", diz Steffen Lehmann, da Universidade de Newcastle, na Austrália. "Será um enclave verde em meio a uma região do planeta que faz negócios como sempre." Em Abu Dhabi, "negócios como sempre" é sinônimo de gasolina barata e transporte público inexistente. Lá, o consumo de água por cidadão está entre os maiores do planeta. Tanta discrepância ao redor é o que faz de Masdar uma iniciativa que já chama atenção, como uma estufa verde cercada por areia e poços de petróleo.

(segue)

sábado, 18 de setembro de 2010

Perspectiva 2010 O ano zero da economia limpa (continuação) Carros elétricos

(Continuação da matéria da revista Veja de dezembro de 2009, que estou postando em partes)

 
2. Carros elétricos

Eles vão acelerar ou frear
as mudanças climáticas?
As duas coisas ao mesmo tempo, porque não soltam fumaça pelo
escapamento mas consomem energia que nasce em usinas poluidoras

O calendário de lançamentos de carros elétricos em 2010 parece indicar uma nova etapa na história da indústria automobilística. No fim de 2010, a GM porá nas ruas dos Estados Unidos o Volt. A Nissan entregará o Leaf na Europa e na Ásia. Nenhum dos dois modelos chegará tão cedo ao Brasil. O Volt deve custar algo ao redor de 32 000 dólares. O Leaf não tem preço estimado, mas está sendo anunciado como um produto barato, na cola dos veículos pequenos de passeio. Ambos transportam uma novidade: são realmente 100% elétricos, e não híbridos, como o Prius, da Toyota. O Prius anda prioritariamente com um motor elétrico – quando o motorista precisa de mais potência, um segundo motor, a gasolina, começa a funcionar. O Volt tem um motor elétrico e outro a gasolina, mas só o primeiro faz o carro rodar. Com ele é possível percorrer 64 quilômetros. Ao atingir essa marca, o motor a gasolina passa a funcionar para ativar um gerador que produz energia e recarrega a bateria.

"Não é um falso amanhecer", diz Paul Scott, vice-presidente e fundador da Plug In, uma organização americana que durante muito tempo acusou as montadoras de pouco fazerem em nome dos automóveis elétricos. "Agora o jogo é real." Aposta-se no sucesso – a GM acredita chegar a dezenas de milhares de unidades vendidas até 2013, embora não tenha números precisos – pelo exemplo de outras rápidas explosões tecnológicas atreladas a inovação. "É como o iPhone", compara Bruce Nilles, especialista americano em energia e poluição. "As pessoas podem desejar ter um carro elétrico na garagem porque ele é politicamente correto, e não custa nada estar do lado do bem."

Um olhar mais atento – subtraídos o fascínio na-tural e a ânsia de encontrar uma boia para tirar as três grandes montadoras de Detroit (GM, Ford e Chrysler) da lama – indica, sim, uma possível falsa largada, uma segunda freada, tal como ocorreu em meados da década de 90 com o EV1, o primeiro veículo elétrico moderno produzido por uma grande marca, a GM. Os EV1 foram lançados em 1996, apenas para leasing – eram pouco mais de 1 000 unidades, majoritariamente na Califórnia e Arizona –, mas deixaram de circular em 1999. Entre 2003 e 2004, já com a produção interrompida, saíram do mercado, levados a desmanche ou oferecidos a museus e universidades. Tornaram-se párias, retrato de um tempo industrial que se queria apagar. "Quem matou o carro elétrico?", pergunta um documentário premiado, disponível nas locadoras brasileiras. Não há apenas um suspeito. A pressão da indústria petrolífera ajudou. A própria GM percebeu que era ideia deficitária. Além disso, a fragilidade da rede de realimentação das baterias – e a baixa autonomia que elas ofereciam – decretou a marcha a ré.

No documentário, o ator Tom Hanks, sempre muito certinho, aparece em um trecho do programa David Letterman Show. Instado a dizer por que gostava de andar num modelo sem gasolina, respondeu: "Porque quero salvar os Estados Unidos". Se não deu certo naquele tempo, por que daria agora? É difícil, por óbvio, salvar os Estados Unidos, se é que os Estados Unidos precisam ser salvos, apenas trocando de carro – e entender isso é olhar as características do elétrico confrontado com os modelos tradicionais.

Uma pergunta se impõe: o elétrico é um risco ou uma solução para o planeta? "Os automóveis elétricos devem ser recompensados por sua eficiência energética, não por transferirem as emissões de gases dos escapamentos para as chaminés das usinas", anota relatório da Associação Britânica Ambientalista de Transporte. Em outras palavras: as emissões de dióxido de carbono pelo carburador inexistem nos carros elétricos, e no entanto eles só poderão circular porque recebem eletricidade produzida em muitos países por usinas movidas a combustível fóssil. De nada adianta usar um automóvel elétrico na China, por exemplo, se as usinas geradoras são alimentadas por carvão. Estimativas americanas indicam que, se eventualmente 250 000 carros elétricos fossem plugados para recarga ao mesmo tempo em um início de noite, seria necessário erguer outras 160 usinas de energia nos Estados Unidos apenas para alimentá-los. "Não será nada agradável ser acusado pelo vizinho do blecaute de todas as noites", ironiza Ed Kjaer, diretor de transporte elétrico de uma operadora de eletricidade da Califórnia. Há outro alerta no estudo: no melhor dos cenários, apenas no ano de 2030 esses veículos produzirão impacto real na diminuição das emissões, quando houver frota maior dessa família automobilística nas ruas e estradas.

Até lá as questões são mais comezinhas. Como superar a principal dificuldade, a reduzida autonomia da bateria? Há avanços, mas ainda assim a bateria de lítio do Volt, versão avantajada das que equipam celulares e laptops, deve custar em torno de 10 000 dólares, com 200 quilos. Solução mais interessante – a caminho de uma mudança de modelo, ainda sutil – encontrou a Renault-Nissan ao selar parceria com uma empresa israelense, a Better Place (em inglês, lugar melhor, referência ao objetivo de criar um mundo mais verde). O plano prevê a instalação de uma ampla rede de 500 000 pontos de recarga, além de postos de troca de baterias em Israel, onde haverá o teste piloto. As baterias poderão ser recarregadas de duas maneiras: em postos especializados ou simplesmente pela troca das gastas por novas, completas, sem perda de tempo. É ideia próxima à das operadoras de celular. Há planos de oferecer o equipamento a preço baixo, sem impostos (o carro), em troca da fidelidade na compra dos serviços (energia, sob a forma de baterias carregadas). Não parece estar no cerne da sustentabilidade, mas é um avanço imenso – o próximo passo pode ser o compartilhamento de veículos, como já ocorre com um sistema de aluguel de bicicletas em Paris, o Vélib. Filho dessa iniciativa, no fim de 2010 passa a funcionar o Autolib, o carro individual de uso coletivo.

Em Curitiba, o urbanista Jaime Lerner, ex-prefeito da cidade, apresentou recentemente o protótipo de um veículo elétrico para um passageiro inspirado no sistema parisiense. A ideia é que os carrinhos sejam alugados em áreas de grande circulação, próximo a terminais de ônibus ou metrô. Os usuários poderão retirá-los e devolvê-los em qualquer estação, pagando com cartão de crédito. Do ponto de vista do consumidor, pode ser um grande negócio – afinal, pagamos (e bem) por um automóvel para usá-lo apenas umas três horas por dia; nas outras 21 ele fica parado. O dinheiro economizado dá e sobra para alugar um belo carrão na hora de namorar, fazer compras e passear com a família.

O difícil será superar um dos monumentos do consumo nos séculos XX e XXI – o anseio de cada pessoa ter o seu carro, símbolo de independência e liberdade, mesmo colado a modismos e exageros. Além disso, a maioria dos proprietários insiste em levar apenas uma pessoa dentro do veículo, ou seja, o próprio motorista. Enquanto a nova realidade não chega, o modo de aliviar a poluição e o trânsito continuará sendo o bom senso, a combinação entre transporte coletivo, carona, bicicletas e caminhadas, onde for possível.


(segue)

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Perspectiva 2010 O ano zero da economia limpa (continuação) Executivos verdes


(Continuação da matéria da revista Veja de dezembro de 2009, que estou postando em partes)
 
3. Executivos verdes

Seu chefe ainda será assim:   ...Os profissionais distantes dos cuidados socioambientais já estão definitivamente fora do jogo

O executivo alheio ao movimento de sustentabilidade flerta com a irrelevância e o fracasso. Nem sempre foi assim, convém lembrar. Houve ondas diferentes de preocupação dos profissionais com o meio ambiente – a postura mudou no ritmo das descobertas científicas e de pressão da sociedade. Nos anos 1980 e início dos 1990, quando a hoje chamada responsabilidade social ainda era confundida com filantropia e mera maquiagem verde, os líderes das companhias simplesmente defendiam o mecenato, e assim dormiam tranquilos. Na segunda etapa, de meados dos anos 1990 a meados dos anos 2000, houve a explosão da ecoeficiência e da prevenção dos riscos. Dentro dos escritórios e das fábricas, cresceu o movimento de inclusão de funcionários e outras partes interessadas nas políticas de sustentabilidade. Do ponto de vista do marketing, divulgava-se o fim dos excessos. Na França, por exemplo, toda publicidade que incentivasse o uso exagerado de carros foi proibida.

Vive-se hoje, na definição da consultora francesa Élisabeth Laville, do grupo Utopies, a "responsabilidade social empresarial 2.0", da mesma forma que se usa a expressão web 2.0 para definir o momento atual da internet. "É uma revolução apenas iniciada", diz Élisabeth (veja artigo na pág. 288).

Do que se trata? Incorporar, verdadeiramente, à estratégia da empresa e ao seu modelo econômico, uma abordagem orientada aos riscos de danos ecológicos e à imagem corporativa. Além disso, costuram-se oportunidades de mercado atreladas a boas e responsáveis soluções sociais e ambientais. Um caso emblemático é o da British Petroleum, a BP, com sua estratégia Beyond Petroleum (Além do Petróleo), que não deseja mais ser vendedora de óleo, e sim de energia, com a promessa de, em trinta anos, oferecer metade da energia a partir de fontes renováveis.

Outro caso de estudo é o da General Electric (GE), que, com seu programa Ecomagination, assumiu publicamente o compromisso de dobrar o orçamento de pesquisa e desenvolvimento em tecnologias verdes entre 2005 e 2010. O executivo-chefe da GE, Jack Immelt, virou ícone entre as lideranças empresariais verdes com um discurso sincero. "O que nós queremos é ganhar dinheiro", dizia Immelt, no início do processo, em 2004. O tom era dado pelo slogan "Green is green" (verde é verde, em referência à cor que simboliza tanto a sustentabilidade quanto o dólar americano). Hoje, a linha desenvolvida pela GE, a Ecomagination, tem oitenta produtos – em 2005 eram apenas dezessete. Em 2008, as receitas dessa família de negócios foi de 17 bilhões de dólares – menos de 10% do total, mas ainda assim um feito quando se considera que o programa tem apenas cinco anos de vida. Além disso, o faturamento da Ecomagination cresce três vezes mais rápido que o dos outros produtos da GE.

Mas poucos têm o espaço e as oportunidades que Immelt teve – a maioria dos executivos realmente verdes, ressalve-se, não está no topo das empresas. Há muito ainda a fazer, embora já não exista recuo possível. Atenção ao meio ambiente e a tudo o que o cerca é, prioritariamente, sinônimo de boa imagem para as empresas. De acordo com o estudo "A cadeia da sustentabilidade", realizado no início do ano pela consultoria Deloitte com mais de 100 empresas brasileiras de grande porte, 84% apontaram a imagem como a grande favorecida pelo bom comportamento socioambiental. Em segundo lugar, apareceu a conquista de novos mercados (59%) e, em terceiro, a produtividade (58%). "Se fosse apenas uma questão de imagem, ainda assim seria vantajoso investir em negócios sustentáveis", afirma o americano Joe Sellwood, responsável pela operação na América Latina da ONG AccountAbility, que tem sede em Londres, na Inglaterra, e trabalha no fomento de boas práticas de gestão nas empresas e governos. Ao longo desta reportagem, VEJA traça o perfil de três jovens lideranças empresariais coladas ao novo modelo.

Um doce sucesso orgânico

A cena é franciscana: Leontino Balbo Júnior caminha sozinho na plantação de cana-de-açúcar em Sertãozinho, no interior de São Paulo. Fuça a terra, parece falar com os bichos. São saguis, jabutis e quatis, além de tucanos e araras. Nos canaviais da Native vivem 340 espécies animais, 45 delas próximas da extinção. Acionista e diretor da maior produtora de açúcar orgânico do mundo, o loquaz e sorridente Leontino, de 49 anos, preserva a fauna ancorado numa agricultura totalmente avessa a herbicidas, pesticidas e fertilizantes. "A fertilidade vem das folhas que caem da cana, protegendo e alimentando o solo, e da existência controlada de microrganismos, animais e plantas", diz.

Internacionalmente premiado, ele uniu o cuidado social e ambiental ao sucesso econômico. A Native faturará, em 2009, algo em torno de 100 milhões de reais, com uma taxa anual de crescimento de 30%. A colheita é totalmente mecanizada. O resultado das inovações implantadas por Leontino é uma produtividade 25% superior à obtida pelo método de cultivo convencional. Passados doze anos desde que ingressou nessa empreitada verde, a Native tem 95% do mercado brasileiro de açúcar orgânico e exporta para 67 países. É um doce sucesso.
Ótimos resultados

Rentabilidade
A margem de lucro do açúcar orgânico da Native é, em média, de 30%. No mercado de açúcar convencional, as empresas geralmente conseguem 15%

Varejo
No início de 2010, a empresa passará a vender sachês de açúcar em 250 lojas da rede americana Whole Foods Market, especializada em orgânicos
  
Longa vida para a reciclagem

O paulista Fernando von Zuben, de 51 anos, diretor de Desenvolvimento Ambiental da Tetra Pak, empresa de embalagens, é homem colado a um ritmo de vida contemplativo, apesar da aparente agitação. Gosta de elaborar nós mentais, e invariavelmente chega às clássicas questões primordiais: de onde viemos? Para onde vamos? Fã de carteirinha do filme 2001 - Uma Odisseia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick, diz que o vê com frequência (já perdeu a conta de quantas vezes) porque há nele pistas da relação da humanidade com o planeta. "Desde pequeno aprendi com meus pais, zelosos com a natureza, a não matar animais silvestres, a não cortar árvores, e foi isso que me trouxe até aqui", afirma.

O "aqui" em questão é o escritório da Tetra Pak em São Paulo, onde há catorze anos ele coordena as diretrizes de sustentabilidade da empresa. Sua missão: diminuir o impacto do descarte das caixinhas longa-vida no meio ambiente. Na época, em 1995, apenas o papel das embalagens podia ser reutilizado, mas, como o seu valor representava só 20% do papelão ondulado, não atraía os catadores.

Von Zuben começou a imaginar como separar e reaproveitar os três materiais que compõem as embalagens da Tetra Pak - papel, plástico e alumínio -, aumentando assim o valor do produto reciclado. A caixinha longa-vida passou a ser 100% reciclável - transformada em telha para a construção civil, por exemplo. Foram nove anos de testes no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) até chegar à técnica do plasma. O invento, inédito no mundo, usa energia elétrica para produzir um jato de plasma a 15 000 graus Celsius, mais quente que a superfície do Sol, que aquece a mistura de plástico e alumínio, separando as substâncias do papel. Com o processo, o plástico é transformado em parafina, e o alumínio, em pó. Ocorre então a reutilização desses produtos, fechando o ciclo do material. A nova tecnologia aumentou o valor da tonelada de embalagens longa-vida de 100 reais, há sete anos, para 350 reais, em 2008. Um bom negócio para todos os envolvidos, do catador de papel ao fabricante. Desde a instalação da fábrica do plasma em Piracicaba, no interior de São Paulo, há quatro anos, 2,6 bilhões de caixinhas deixaram de apodrecer nos lixões do Brasil.

No ar
A Tetra Pak se comprometeu a diminuir em 20% a pegada de carbono até 2020. De 2005 a 2008, as emissões de CO2 da empresa já foram reduzidas em cerca de 8,9%

No chão
Em 2005, 28 000 toneladas de embalagens da empresa foram recicladas no Brasil (ou 22,9% do total produzido). Em 2008, esse número subiu para 53 000 toneladas (26,6%)
  
Grávida de um filho e de ótimas ideias

Daniela De Fiori, paulista grávida do primeiro filho, tem 35 anos e vive de mãos dadas com as iniciativas que defende como vice-presidente de sustentabilidade do Walmart. Ela baniu o uso de sacolas plásticas em sua casa, boicota açougues que vendem carne sem certificado de procedência e adota a carona solidária. Quando vai sozinha ao trabalho - enquanto a barrigona ainda lhe permite dirigir -, acha natural chegar ao escritório a bordo de um carro flex com o porta-malas transbordando de lixo orgânico, pois o prédio onde mora só recicla papelão. A solução é levar os detritos para o posto de reciclagem do trabalho.

O Walmart é o líder varejista no mundo e a terceira maior rede de supermercados no Brasil. Tornou-se, hoje, símbolo de responsabilidade ambiental. Das 404 lojas que a empresa tem espalhadas pelo Brasil, 140 praticamente não mandam mais lixo orgânico para aterros sanitários - em vez disso, ele é enviado para usinas de compostagem, onde vira adubo. A partir de 2010, a rede construirá apenas hipermercados 100% ecoeficientes - hoje são quatro. Isso quer dizer que as lojas serão erguidas segundo preceitos verdes, com teto rebaixado para economizar ar condicionado e paredes de vidro que permitam a entrada de luz natural.

O grande desafio é convencer os consumidores de que produtos com selo verde não são mais caros do que os tradicionais. "Foi preciso muita criatividade, mas hoje temos nas prateleiras mais de 2 000 produtos sustentáveis", diz. No topo da lista dos mais vendidos está o cobertor feito com fibras de garrafa PET (na foto).

Globalmente, o Walmart destacou-se ao ser o primeiro dos grandes varejistas a participar do movimento de boicote aos fornecedores que desrespeitam o meio ambiente, seja criando gado ou plantando soja em áreas ilegais da Amazônia, seja usando trabalho escravo. Desse movimento, iniciado em junho no Brasil, surgiu o pacto de sustentabilidade, que já conta com mais de 300 membros e impõe aos fornecedores duros compromissos. Os fabricantes de detergente, por exemplo, terão até 2011 para diminuir em 70% a quantidade de fosfato na fórmula do produto. A substância é a maior responsável pela proliferação de algas nos rios, que consomem o oxigênio e matam os peixes.

Depois do caixa

Plástico, não
O Walmart brasileiro tem como meta reduzir o uso de sacolas plásticas em 50% até 2013. Em 2009, já reduziu 10%, o que significa 50 milhões de sacolas a menos no meio ambiente

Lixo recuperado
A empresa investe nas estações de reciclagem. Eram 236 em 2008. Neste ano, o número subiu para 340

(segue)
 

sábado, 11 de setembro de 2010

Perspectiva 2010 O ano zero da economia limpa (continuação) Energias renováveis

(Continuação da matéria da revista Veja de dezembro de 2009, que estou postando em partes)


4. Energias renováveis

O vento tem a resposta.    As usinas eólicas são as que mais crescem no mundo - mas falta ainda torná-las baratas. No Brasil, o potencial é de dez Itaipus

"O pré-sal dos ventos." Foi assim que o brasileiro Bento Koike, 51 anos, proprietário da Tecsis, o segundo maior fabricante mundial de pás para aerogeradores eólicos, com sede em Sorocaba, no interior de São Paulo, definiu o primeiro leilão brasileiro de energia eólica, realizado pelo Ministério de Minas e Energia em meados de dezembro. Foram contratados pelo governo 753 projetos de energia movida a vento, num total de 1 800 megawatts, mais de cinco vezes o volume gerado atualmente no país. Hoje, uma nação pequena como Portugal produz mais força eólica que o Brasil. "A energia dos ventos tem ainda uma vantagem sobre o pré-sal do petróleo: ela está na superfície, não a 5 000 metros de profundidade, é renovável e não acaba nunca", disse Koike a VEJA, ele mesmo finalizando o projeto de uma segunda fábrica para atender à demanda que nascerá depois do leilão.

Por serem uma fonte de energia limpa e inesgotável, as usinas eólicas constituem a modalidade de energia renovável que mais cresce no mundo. A média anual de expansão é de 25%, embora apenas 0,3% do planeta seja movido a vento. No Brasil, ele representa 1,3% da matriz energética. "Mas nosso potencial de ventos é de dez Itaipus", afirma Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), autarquia ligada ao Ministério de Minas e Energia.

SOL ETERNO

No vácuo desse movimento, gigantes como a americana GE chegam ao país. Em janeiro, a empresa começa a fabricar geradores eólicos para atender à novíssima demanda - ainda uma promessa, ressalve-se. "Temos 30 000 pás instaladas no mundo e nenhuma no Brasil, é frustrante", afirma Koike, que acabou de obter um empréstimo de 120 milhões de reais do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para ampliar sua capacidade de produção.

O otimismo sopra porque a estimativa da futura capacidade eólica brasileira - essa que pode multiplicar por dez a produção de Itaipu - foi calculada com medições de ventos a 50 metros de altura. Era esse o tamanho das torres com turbinas em 2001, ano em que foi realizado o primeiro Atlas do Potencial Eólico Brasileiro. Hoje, com as turbinas instaladas a 100 metros ou mais do solo, uma edição atualizada do atlas já está sendo feita. Consideradas as prévias de alguns estados - o Rio Grande do Sul, por exemplo, pulou de 9 MW para 100 GW -, a capacidade eólica do Brasil pode mesmo confirmar a previsão de Koike de que estamos vivendo o "pré-sal dos ventos".

GIGANTISMO
A 100 metros de altura, nas torres modernas, o vento é mais forte do que nas versões antigas, de 50 metros

O problema ainda é o preço, alto em decorrência dos gastos com instalação, embora o custo operacional seja barato. O valor mais baixo do MWh de vento é de 160 reais, contra 110 reais das usinas hidrelétricas. Ele só não sai mais caro que o do sol (mínimo de 600 reais o MWh). O Brasil entrou no jogo com vinte anos de atraso em relação a outros países, lembra Lauro Fiuza Jr., presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica. Mas há particularidades que podem acelerar o crescimento.

A principal delas é a complementaridade do regime de ventos com o de chuvas, especialmente no Nordeste, onde estão localizadas as maiores jazidas de ventos do país. "As eólicas são o par perfeito para as hidrelétricas porque os ventos são mais fortes justamente no momento em que a hidrologia está mais fraca", diz o engenheiro eletricista e consultor Mário Veiga, autor da metodologia usada para controlar a operação do sistema nacional interligado. "Ou seja, no primeiro semestre, quando os rios estão com vazão plena, os ventos são mais fracos. No segundo semestre, quando surgem até ilhas no Rio Amazonas devido à baixa vazão, os ventos são mais fortes." Esse casamento é ainda mais estratégico porque as grandes hidrelétricas que estão sendo construídas com a tecnologia do fio de água - Belo Monte, Santo Antônio e Jirau - não têm grandes reservatórios, como Itaipu, Tucuruí e Sobradinho, e isso as deixa mais vulneráveis às oscilações da natureza.

As usinas eólicas demoram apenas um ano e meio para ficar prontas, contra três anos das termelétricas e cinco das hidrelétricas. Além disso, em território brasileiro a regularidade dos ventos está entre as melhores do mundo. Some-se outra facilidade: as principais jazidas eólicas localizam-se nos arredores dos grandes centros urbanos. "No exterior, as duas grandes dores de cabeça são o alto custo de transmissão e a oscilação dos ventos, que obriga os países a ter usinas termelétricas de backup para os períodos sem vento", explica Mário Veiga. Estudo feito por ele mostra que a substituição total da energia térmica pela eólica diminui a emissão de gases que provocam o efeito estufa em 10 milhões de toneladas por ano (atualmente o Brasil emite pouco mais de 330 milhões por ano). Não é muita coisa, mas abre-se um caminho.

Nem tudo, porém, gira a favor do vento. Dois promotores de Justiça do Ceará entraram com ações contra duas empresas responsáveis pela construção de parques eólicos. Ambos denunciam a degradação ambiental provocada pelas usinas eólicas nas dunas, além da interferência em aquíferos (formação geológica que armazena água subterrânea), destruição do patrimônio arqueológico, conflitos com pescadores, fixação de dunas móveis e aterramento de lagoas, entre outras irregularidades. As empresas e os órgãos públicos se defendem dizendo que cumpriram ao pé da letra a legislação ambiental. Ou seja, mesmo equipamentos para gerar energia limpa e duradoura não dispensam óbvios cuidados e bom senso na instalação. Outro problema é a poluição visual - na Europa, ela se tornou tema de ativistas, incomodados com o horizonte repleto de imensas torres, espetaculares à primeira vista. As instalações em mar aberto - além de ser movidas por ventos mais fortes - empurram a suposta feiura para longe dos olhos.

Há campanhas, na Inglaterra e na Alemanha, com slogans divertidos como "Ok, but not in my backyard" (Tudo bem, mas não em meu quintal). Os "nimbys", como são conhecidos, representam a versão do século XXI para os manifestantes do século XX contra as usinas nucleares - nada que interrompa, por inexorável, uma previsão do xeque Zaki Yamani, ministro saudita, feita no auge da crise de 1973: "A Idade da Pedra não acabou por falta de pedra, então a idade do petróleo não acabará por falta de petróleo". Antes que isso ocorra, as fontes renováveis de energia ganharão espaço. Mas de nada adiantará trocar umas (as sujas) por outras (as limpas) se não for posta em prática a forma mais rápida, econômica e eficaz de aumentar a oferta de energia com barateamento do preço final ao consumidor: a chamada "eficiência energética", com a adoção de tecnologias, com-por-tamentos sociais e equipamentos que reduzam o desperdício. Mesmo a energia dos ventos, tão celebrada, se desperdiçada, é ruim.

(segue)

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Perspectiva 2010 O ano zero da economia limpa (continuação) Logística reversa

(Continuação da matéria da revista Veja de dezembro de 2009, que estou postando em partes) 

5. Logísitica reversa

Linha de desmontagem
Levar os produtos usados de volta aos fabricantes é tendência natural – falta apenas combinar com o consumidor

Televisores a caminho da reciclagem em um depósito de Jingmen, na China, país tradicionalmente avesso aos cuidados ambientais

O que fazer com tanto lixo eletrônico?, parece gritar a fotografia ao lado. Ela mostra uma montanha de aparelhos de televisão usados no pátio de uma empresa de reciclagem em Jingmen, na China. Mesmo em um país atavicamente avesso aos cuidados ambientais, o reaproveitamento de materiais descartados começa a virar norma, por imposições legais e pressão da sociedade. Trata-se de fazer o caminho contrário – o produto sai das mãos do consumidor, já saciado, de volta à empresa que o fabricou. Dá-se a esse processo um nome que soa exageradamente técnico – "logística reversa" –, mas é simples. Se você ainda não ouviu essa expressão, anote-a, porque ela fará parte do cotidiano. "Tradicionalmente, a logística reversa não atraía muita atenção das empresas e estava associada apenas a questões ambientais", disse a VEJA Donna Retzlaff-Roberts, professora de ciência da gestão da Universidade do Sul do Alabama, nos Estados Unidos. "Agora, muitas delas descobriram que esse processo pode ser uma boa oportunidade para somar valor ao produto e à imagem da companhia."

Uma das pioneiras a investir nesse campo foi a Hewlett-Packard, a maior empresa de tecnologia da informação do mundo. A HP, o primeiro lugar entre as companhias mais verdes dos Estados Unidos, de acordo com ranking da revista americana Newsweek publicado em setembro passado, desenvolve desde 1987 programas de recuperação e reciclagem de impressoras, cartuchos e computadores. Em 2008, a HP recolheu 3,5 milhões de equipamentos no mundo, recapacitando-os para uso. Quatro anos atrás, para testar seu próprio programa de recuperação de lixo industrial, a empresa resolveu coletar computadores obsoletos de suas filiais em 29 países, incluindo o Brasil. O saldo, depois de três anos, foi de 44 500 equipamentos recolhidos, dos quais 70% foram restaurados e revendidos. Os 30% restantes destinaram-se à reciclagem – retornaram à linha de montagem de outras indústrias como matéria-prima para produtos diversos, como para-choques de caminhão.

No Brasil, a estrela dos programas de logística reversa da empresa são os cartuchos de impressoras a jato de tinta. Desde fevereiro deste ano, a HP reservou uma sala de cerca de 40 metros quadrados no piso térreo de sua fábrica, em Sorocaba, no interior de São Paulo, especialmente para o projeto. Apesar das instalações limitadas, mais de 375 000 cartuchos já foram reciclados nos últimos dez meses. Os cartuchos, devolvidos pelos consumidores em diversos pontos de coleta no país, vão parar na sala de reciclagem. Lá, são desmontados em três etapas, com a ajuda de máquinas. Materiais não recicláveis, como a tinta remanescente, são separados. O plástico restante é moído até se transformar em pedaços de cerca de 0,5 centímetro, que são enviados ao Canadá, onde ocorre a última etapa da reciclagem: a transformação em uma peça plástica, usada na parte interna de impressoras. "Quando uma empresa pensa seriamente no ciclo total de vida de seus produtos, busca inovações também para o início do processo", disse a VEJA Engelina Jaspers, vice-presidente mundial de sustentabilidade ambiental da HP. "Ela investe na criação de tecnologias para expandir o uso de materiais reciclados em seus produtos e facilitar sua reciclagem depois que o consumidor os descarta." Até 85% dos componentes das impressoras mais modernas, que pesam entre 3 e 5 quilos, em média, são recicláveis. Dez anos atrás, esse porcentual não passava de 40%, enquanto o peso de uma impressora doméstica era de 7 quilos, em média.
Lailson Santos

ANTIGO VIRA NOVO

Para Paulo Vodianitskaia, gerente de sustentabilidade da Whirlpool, "o maior desafio é chegar ao reaproveitamento total das peças usadas"

 A logística reversa, esta que agora decola, passou a constar da pauta da gestão empresarial no fim da década de 80. Mas, por enquanto, salvo raras exceções, é uma operação que ainda dá prejuízo ou, no máximo, se paga. "O processo costuma ser até 30% mais caro que o lucro gerado pelo reaproveitamento de materiais e pela venda de matéria-prima a outras indústrias", diz o engenheiro de produção Paulino Francischini, professor de operações e logística da Universidade de São Paulo. Por que, então, a preocupação dessas empresas é tão grande? A resposta: responsabilidade ambiental e preocupação com a imagem corporativa. Não há, no Brasil, legislação federal e vive-se a confusão de normas locais que variam de estado para estado. Ante a barafunda, a sociedade, com pressa, saiu na frente – embora o consumidor ainda tenha o respeito ao meio ambiente mais como percepção, ou mera vontade, do que como prática real no cotidiano.

Os brasileiros, segundo pesquisas de opinião, prestam atenção na preocupação das empresas com o meio ambiente. E muitos estão dispostos a pagar mais caro por um produto no caso de o valor ser destinado a projetos de proteção do meio ambiente. Ainda assim, os consumidores, por desconhecimento, são um dos maiores entraves aos processos de logística reversa. Em 2003, a Itautec criou um programa de reciclagem aberto ao público, mas que acabava atendendo exclusivamente aos computadores da própria empresa e contratos corporativos. Demorou cinco anos para que o primeiro cliente comum procurasse o serviço. Mesmo com o programa gratuito à disposição de todos os clientes, apenas cinco máquinas foram entregues até o momento. "Embora o consumidor comum esteja mais consciente, a maioria ainda não pensa sobre o lixo ou desiste de lhe dar o destino correto caso isso envolva algum trabalho ou custo", afirma João Carlos Redondo, gerente de sustentabilidade da Itautec.

A falta de interesse não impede outras boas iniciativas. Desde 2005, a Whirlpool (fabricante das marcas Brastemp e Consul) dispõe de um programa de coleta e reciclagem de geladeiras antigas. Por enquanto, o serviço não é aberto a todos os consumidores. As peças usadas são retiradas pela Whirlpool e seguem para uma linha de desmontagem na fábrica da empresa, em Joinville, Santa Catarina (veja o quadro ). "O maior desafio é chegar ao reaproveitamento total do material dos produtos antigos e ampliar sua coleta, para que o lixo seja zero", diz Paulo Vodianitskaia, gerente de sustentabilidade da Whirlpool Latin America. Outro braço da logística reversa da empresa cuida das embalagens dos novos produtos. Para ampliar a coleta, feita há quase sete anos (mas ainda restrita a algumas cidades de São Paulo), a Whirlpool firmou uma parceria com uma grande empresa de varejo. Os entregadores da loja que levam a geladeira nova à casa do cliente retiram a embalagem do eletrodoméstico. Até agora, o programa recolheu 127 toneladas de papelão, plástico e isopor, destinados à reciclagem.

Empresas de bebidas, como Coca-Cola e AmBev, também tentam ampliar o reaproveitamento das embalagens de seus produtos. A AmBev recicla rótulos e reutiliza garrafas retornáveis de plástico e vidro. No início de 2010, a Coca-Cola vai começar a utilizar garrafas PET produzidas a partir de vasilhames plásticos usados (um dos grandes vilões ambientais). A tecnologia está disponível no exterior há quase dez anos, vigora na Alemanha e nos países nórdicos, mas é novidade no Brasil. A embalagem usada é triturada e passa por um processo de limpeza. O material é derretido e a resina é misturada à resina nova, para a produção de garrafas. Como experiência a caminho dessa novidade, a empresa já oferece em supermercados e bares de algumas cidades do interior de São Paulo a PET retornável com um atrativo monetário em nome da limpeza. O preço de uma Coca de 1,5 litro em PET retornável varia de 1,59 real a 2,10 reais se o consumidor levar o casco. A mesma garrafa, sem a troca, custa 1,50 real a mais. É uma ideia do passado, do tempo em que nossos pais e avós trocavam o casco, com um quê moderno de sustentabilidade.

VIDA ESTENDIDA

Na HP, o plástico dos cartuchos recolhidos é moído, transformado em pó e depois utilizado na manufatura de peças que retornam a impressoras

(segue)

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Perspectiva 2010 O ano zero da economia limpa (continuação) Responsabilidade


(Continuação da matéria da revista Veja de dezembro de 2009, que estou postando em partes)

 

6. Responsabilidade

O passado passado a limpo. Os grandes poluidores de outras décadas renascem com
processos mais modernos. É a única postura possível para reparar os danos sociais e ambientais produzidos

CUBATÃO, 1984
Poluentes, chuva ácida e erosão da Serra do Mar no símbolo do descaso ambiental de um tempo em que só importava crescer

O fracassado balé diplomático da COP15, em Copenhague, foi um baile de gala se o compararmos à Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano de Estocolmo, em 1972. O ministro do Interior brasileiro, general José Costa Cavalcanti, futuro presidente da Itaipu Binacional, foi ao microfone, há 38 anos, com uma frase que resumia a postura das nações em desenvolvimento, então jurassicamente chamadas de países do Terceiro Mundo. "Desenvolver primeiro e pagar os custos da poluição depois", disse Cavalcanti. Hoje isso soa absurdo, naquele tempo era apenas nacionalismo, e não produziu muita celeuma. Chaminés fumegando 24 horas representavam crescimento econômico, e as questões ambientais - mesmo tragédias como o vazamento de gases letais de uma fábrica de agrotóxicos na cidade indiana de Bhopal - podiam ser lavadas com o tempo. "Por muitos anos, as empresas atuaram sem pensar no impacto de seu negócio no ambiente e na sociedade", diz o pesquisador Alexandre Lerípio, da Universidade Federal de Santa Catarina.

CUBATÃO, 2009
Depois de quinze anos, a pressão da sociedade e novas tecnologias permitiram que a natureza ao redor reagisse

Hoje, o passado é passado a limpo. Não fazê-lo equivale a entrar num acostamento, ficar à margem dos bons negócios. Nos padrões atuais da legis-lação brasileira, siderúrgicas e petroquímicas dos anos 1970 e 1980 não conseguiriam licença ambiental para funcionar. Ícones desse tempo sujo tiveram de se reinventar - modernizar os processos foi o atalho para melhorar a imagem e, atrelado a esse movimento, ter bons resultados financeiros. A antiga Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa) é o mais notável caso de sucesso dessa mudança. Localizada no polo industrial de Cubatão, na Baixada Santista, em São Paulo, durante muito tempo foi o Armagedon, a empresa mais poluidora do Brasil, símbolo negativo de tudo o que não se desejava.

Responsável por quase um terço da produção de aço nacional, contaminava o ar com uma vasta família de partículas sólidas de óxidos e a água do Rio Mogi com óxido de ferro, resíduo da laminação das chapas. Contribuiu com uma parcela tristemente fundamental para a construção do cenário caótico da região: uma nuvem densa de poluentes pairava sempre sobre a cidade; a Serra do Mar sofreu erosão por causa da chuva ácida; espécies animais desapareceram; e o nascimento de bebês anencéfalos se tranformou no rosto da tragédia. A pressão da comunidade local e as primeiras regulamentações da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) forçaram uma reviravolta de postura. Era isso ou morrer.

No fim da década de 80, a siderúrgica começou a investir em tecnologias de controle ambiental, estratégia reforçada com a compra da ex-estatal pela Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais (Usiminas). A empresa mineira empregou 430 milhões de dólares em equipamentos que minimizaram a poluição nos últimos dezesseis anos. As duas principais fontes de danos ambientais foram neutralizadas. As partículas sólidas, antes jogadas no ar, são agora filtradas e recuperadas como combustível na etapa de fabricação do aço. A água que antes poluía o Rio Mogi passou a ser tratada.

Atualmente, a companhia tem certificação de gestão ambiental e já ganhou prêmios por redução das emissões de CO2. "Foi difícil combinar preocupações sociais e ambientais em uma cultura focada apenas no crescimento econômico", diz José Erasmo Andrade, superintendente da Usiminas em Cubatão. "Trinta anos atrás não havia nem essa consciência nem tecnologia para produzir nos padrões atuais."

As empresas já nascem e crescem com cuidados ambientais - mas a urgência ainda é regra. Quase sempre, só há reação depois de crises. Foi o caso da Petrobras. Em 2000, a imagem da companhia ruiu depois de dois grandes acidentes ambientais no período de seis meses: um vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo de uma plataforma na Baía de Guanabara e outro de 4 milhões de litros de óleo no Rio Barigui, afluente do Iguaçu, no Paraná. De imediato, criou-se o Programa de Excelência em Gestão Ambiental e Segurança Operacional, em que foram investidos 10 bilhões de reais até 2007 em treinamento, tecnologia e melhoria dos processos. Desde 2006, a empresa faz parte do Índice Dow Jones de Sustentabilidade, da Bolsa de Nova York. No Brasil, integrou o Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bovespa nos anos de 2006 e 2007. A permanência nos seletos grupos de companhias mais sustentáveis segundo os rankings do mercado financeiro é como um selo de acesso ao futuro economicamente limpo.

Empresas que não estão associadas às boas regras da sustentabilidade aos poucos são catalogadas como predatórias também em outros segmentos do sistema financeiro, como os bancos. O Santander, por exemplo, não financia projetos que desrespeitem o ecossistema da Amazônia. Tem linhas de financiamento especiais para negócios com baixo impacto ambiental, ideias nascidas na gestão do presidente Fábio Barbosa, reconhecido como o primeiro "banqueiro verde" do Brasil, profissional que representa no país o aspecto mais avançado de uma tendência global. "No passado, o Banco Mundial financiava barragens que arrasavam cidades inteiras", afirma o engenheiro ambiental Fernando Almeida, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável. "Hoje, não se financiam projetos sem controle rígido de impacto social e ambiental."

(segue)

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Perspectiva 2010 O ano zero da economia limpa (continuação) Propaganda

(Continuação da matéria da revista Veja de dezembro de 2009, que estou postando em partes)

7. Propaganda

Vende-se mobilização.   Chocar com anúncios vale para divulgar uma marca, mas serve
também de ativismo em nome das boas causas ambientais

Marca ícone do comportamento ético e ambientalmente correto, a britânica The Body Shop, cadeia de cosméticos fundada em 1976 que ganhou o mundo e deu muito dinheiro aos índios caiapós da Amazônia, criou a expressão "ad-tivism", em inglês. Ela designa as campanhas de publicidade engajadas, mistura de publicidade (advertising) e ativismo. Esse gênero de anúncio serve para vender produtos, mas também para produzir mobilização. No âmbito da responsabilidade socioambiental, no qual o consumidor é induzido a comprar o que tem origem e fabricação correta, mas paga pelo que não pode ver, as propagandas com cara de panfleto viraram tendência – e, ao menos por enquanto, o campo publicitário talvez seja o terreno mais fértil para transmitir uma ideia de empresa limpa, sustentável, cuidadosa com o ambiente.

Mas atenção: há o avesso, e ele é perigoso. Chama-se de greenwashing a artimanha de esverdeamento de uma marca, lavagem esmeralda para oferecer um ar de correção onde ela inexiste ou é superficial (saiba como identificar o greenwashing abaixo). "A publicidade deve ser o último passo da política de sustentabilidade da empresa", diz Nizan Guanaes, controlador do Grupo ABC. "Ela só funciona quando reflete um conceito presente em toda a cadeia. Se o pensamento sustentável não estiver no DNA da empresa, fazer propaganda dele é o mesmo que dar um tiro no pé."

Na sociedade de consumo, porém, a estratégia de chocar para divulgar, ainda que soe agressiva, muitas vezes foi necessária – para fazer negócios e também para espraiar uma ideia nova. Nos anos 80 e 90, o fotógrafo italiano Oliviero Toscani fundou essa modalidade de provocação. Em anúncios da grife de roupas coloridas Benetton ele pôs, por exemplo, duas crianças – uma branca e uma negra – sentadas em penicos. Pôs um padre e uma freira se beijando na boca. Mostrou um portador de aids, agonizante, no colo do pai. Houve reação de todo tipo, quase sempre tangenciando a ira ou a chacota. Pouco importa, porque o anunciante foi bem-sucedido – e questões delicadas como racismo, sexualidade e religião entraram em pauta. Assim é com a sustentabilidade, e não custa nada ganhar espaço com mulheres seminuas para dizer que vestir roupa à base de peles de animais é crime. "A publicidade é a forma de comunicação mais rica e poderosa de nosso mundo", disse Toscani quando virou estrela. "Temos necessidade de imagens que nos ajudem a pensar e a discutir."

Em tempos de internet, de Facebook, Orkut e Twitter, nada anda se não puder ter efeito viral, de boca a boca eletrônico. Onde antes havia convocações por megafones e abaixo-assinados, hoje há as redes sem fio. "Os sites de relacionamento tornaram-se ferramentas para as empresas divulgarem apoio, estimularem discussões ou iniciarem a mobilização em torno de uma causa", afirma o publicitário Abaetê Azevedo, CEO da Rapp Latin America, agência especializada em propaganda digital. "Ao associar sua marca a iniciativas que despertam a atenção do consumidor, a empresa ganha status de parceira do público, que se empenha em lutas comuns." É comportamento que se impõe no século XXI. Se sugerirem a você fazer xixi no banho porque assim se economiza água, ria, desdenhe, fique assustado, considere exagero – mas é uma imagem que cola na cabeça, por ser diferente. Com ela, a organização brasileira SOS Mata Atlântica produziu divulgação espontânea equivalente a 20,6 milhões de dólares, segundo os criadores da campanha. Fez falar de si mesma e do desperdício de água.


Pequena história dos anúncios engajados:

Alguns ícones da publicidade a serviço de uma idéia  Benetton, 1990

O italiano Oliviero Toscani vendeu roupas ao pôr racismo, sexo e religião nas campanhas. Esta peça, premiada nos Estados Unidos, foi vetada na Itália

The Body Shop, 1997    A frase "Há 3 bilhões de mulheres que não se parecem com supermodelos e apenas oito que sim" denunciava a beleza irreal

Peta, 2008   "Pele? Prefiro ir nua." Frase de efeito e mulheres famosas na campanha da ONG americana contra o uso de pele de animais no vestuário

SOS Mata Atlântica, 2009   Inspirada na cena do chuveiro de Psicose, de Hitchcock, a imagem sugere o xixi no banho para economizar água

(segue)





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